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domingo, 28 de junho de 2009

fêjanito nã cai do céu


Guarda o Teu Amor Para Mim - Fernando Girão

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Uns alinhavos arrebentam-se. Outros pontos se vão dando; dia a dia, cerzindo o tempo; como as aranhas, construímos teias de geometria imperfeita.

Os livros ao abandono aguardam arrumo mas há muito tempo para isso. As férias têm o encanto que o cacimbo permite. As praias desertas acolhem grupos que vão chegando em pachorrentos machimbombos ou em boleias que mamãs concedem a troco de recomendações de juizinho. Grupos em roda de meninas tagarelam orgulhosas nos seus falsos biquínis prontamente baptizados de “ ora-bolas”, passado os olhos desinteressados pelos toques de bola, lutas-livres e flic-flacs dos rapazes.
Um par ou outro afasta-se procurando conchinhas para mais além estender as toalhas e de barriga para a areia partilharem inadvertidamente os cotovelos. Por vezes, muitas, dedicam-se aos cuidados da pele besuntando as costas uns dos outros com uma mistura de óleo de coco e tintura de iodo levando tais cuidados para alem de limites em que as ditas mudam de nome.
Pela manhã era isto mas pela manha havia um momento em que Docelinda alçava no seu Imp para trazer pá malta umas coca-colas coadjuvada por Deolindo que tinha bom físico para carregar. Ao princípio as bebidas chegavam fresquinhas mas, com o passar dos dias, foram de mornas a quentes, vá-se lá saber porquê.
Pela tarde, o maralhal tertuliava aqui e ali, montados em muros ou nas costas de bancos de pracetas dispersas bairros fora. Alguns privilegiados, em terraços ou garagens, faziam lentos balanços a 45 rpm; Adamo, Morandi e Montand eram, entre outros, convidados especiais.
Bonito, né? Quase três meses à boa vida não se tornasse isto num ramerrame. Paciência.
Então vamos lá dar um jeito a isto.
Tiremos Docelindo do seu trabalho nocturno. Reconhecidas as suas qualidades de trabalho e a sua competência linguística, passemo-lo para a tarde.
-A partir de amanhã passas para a redacção.
-Oh chefe, mas eu já tinha…
-É isso mesmo já tinhas mas não tens.
E pronto. Bons tempos em que era tudo fácil sem atropelos comissões de trabalhadores nem conteúdos funcionais a atrapalharem.

Continuando então a história: Praia de manhã com coca-colas, óleo de coco e tintura de iodo a rodos; à tarde marmelada para alguns e casos de policia mais obituário para Docelindo; à noite… à noite, quando em vez uma escapadela à boite, ao Flamingo de preferência onde Verynice e a sua banda desancavam os corações femininos e se alimentavam ódios movidos a testosterona. Digo quando em vez porque chefe é chefe e quando o chefe é bom, como é o caso, lá arranjava umas noititas ao Deolindo que no dizer dele sempre lhe haviam de fazer jeito à bolsa e, silabando, à ca-rrei-ra!. Quando isso acontecia estão a imaginar os pulos que, figurativamente, o moço dava, né? Pois é! Só não batia com a cabeça no tecto porque a raiva não era assim tanta e o desalento de uma parte de Docelinda desperdiçada, tudo junto somado, não era superior aos benefícios que o part time, lhe trazia.


A vaidade paga-se e o estômago requer assistência;

calcita bangosa “La Finesse” e feijão não caem do céu.

terça-feira, 23 de junho de 2009

vocências haviam de ver


tourada - Fernando Tordo
.

Deolindo
Palavras ... o vento leva-as
Tás frito Jaquim

Para quê gastar Latim
o que tem de ser tem muita força

Bico de laca
The end

Raios e coriscos

O sol nasceu em paz não uma mas muitas vezes.
Entretanto…
D . Fernanda andava contente. As flores, à hora certa, sobre o piano sucediam-se na jarra de cristal.
-Pacheco, vai abrir o portão à menina. E a menina lá vinha no seu Imp, só. Só, mas tão pouco era o bastante para a tranquilizar e se poder dedicar à formação de Dioguinho. Conformada com a sua pouca aptidão para a execução dos “martelinhos”, que a sua mana tão graciosamente já aos dez anos executava, canalizou a complementaridade escolar para a equitação.
-Dioguinho, Dinho, como familiarmente era tratado - tomo a liberdade de assim passar a referir-me – em poucas lições a que correspondiam o mesmo número de elogios por parte exigente mestre, revelava uma inata desenvoltura e apreciável destemor que logo justificaram mandar vir da cudelaria de Alter um puro e inteiro lusitano, escolhido por pessoa indicada pelo mestre. Quando o lusitano chegou, Dinho fazia já a última prova da casaca. Como a casaca era linda! Cetim madrepérola debruado a seda rosa, emoldurava a camisa cinza mais-que-pálido. Das mangas floresciam punhos de renda suíça, resultante de aturadas horas de escolha em gabinete privado dos Armazéns do Minho. A calça justa, bege, dava um toque de elegância à figura adolescente espraiando-se pela meia de renda; por fim a bota alta de prateleira em pele de vitela, partida a preceito pelo próprio mestre, acolhia uma autentica jóia: esporas de prata finamente cinzeladas.
Julho chegou finalmente e Dinho mal disfarçando o nervosismo vestiu-se para a sua primeira apresentação pública, ajudado pela extremosa mãe, igualmente nervosa, que lamentava o seu menino ter escolhido entretanto dar um chamado pulo da adolescência. Não foi nada que o alfaiate, mais tarde promovido a costureiro, não resolvesse de pronto com simples alinhavos e alfinetes-de-ama.
Os toques soaram e Dinho e o mestre, alternadamente foram recebendo, respectivamente, garraios e toiros mais as merecidas palmas que não foram regateadas pelo público presente que se dispersava pela zona da sombra, aproveitando o raro espectáculo cujo preço simbólico revertia para uma benemérita obra dos padres capuchinhos de S. Paulo.
No final da corrida de curta distancia, os convidados rumaram aos jardins da residência dos paizinhos do artista onde já noite aconteceu um pôr-do-sol volante, esmeradamente servido por um exército de empregados que contrastavam com as fardas brancas.
Os convivas mindinhos esticados, não se pouparam a elevar as flutes repletas de fresquíssimo meio bruto “Raposeira” em comunhão de opinião de que naquele dia havia nascido um valente cavaleiro.
-Um artista. Acrescentou uma jovem menina loura de finas sobrancelhas escuras, muito amiga de casa que merecia a desvelada protecção de Diogo pai, de seu nome, só para memória futura, Dina (Dininha para Diogo pai).
O mestre não escondia a satisfação pelo sucesso do seu trabalho brindando como competia a homem do Ribatejo, não com flutes de “Raposeira” mas com carrascão do Cartaxo em caneca de barro pois D. Fernanda não era senhora para descurar pormenores. Quem melhor do que ele para atestar a tarde de glória?
-Isto que hoje viram não foi nada. Tivessem os cabrões dos bichos colaborado e vocências haviam de ver do que o Dinho ainda tem para mostrar.
-Pois é. Soou d’algures
-Pois é. Repetiu-se em coro.
Dioguinho, encheu o peito e agradeceu.
Uns alinhavos arrebentaram-se.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Raios e coriscos



O Olimpo todo ele se iluminou e tremeu: um raio saiu dos olhos de Zeus, a sua voz trovejando gritou:
-Quem és tu Erecteu para condenar ou perdoar?
Fosse Erecteu de fibra e com uns tintins no sitio, independente do tamanho, ter-lhe-ia respondido qualquer coisa que tiraria a deixa a uma Pessoa qualquer, na voz de um borrado marinheiro ( felizmente que o não fez tal a bronca que seria ver mais um ilustre acusado de plágio):

-Aqui ao leme sou mais do que eu, sou um deus que quer o que é teu… e por aí adiante, né?

Mas não. Erecteu meteu o rabinho entre as pernas e disse:
Oh Zeus, nã t’irrites, eu tava a brincar. E entre dentes: Foda-se que mau feitio!
Mais dois relâmpagos e respectivos trovões e Zeus: -Qu’é que disseste?
Já com os tomates roçando Gea, ouviu-se uma voz fininha: - Disse que tava a brincar, conheces o meu feitio.
-Há! Tá bem, assim, sim.
Ok. Caté logo.
-Ond’é que vais, menino?
-Ia ali mijar, estou mesmo aflitinho.
Tá bem, mas olha, vais-te pôr a dar ao dedo e refazer aquela merda do Deolindo. Agarras na ultima deixa da Docelinda e –o Erecteu saltava ora num pé ora noutro -aproveitas a cena da Lua e… -o gajo de joelhos juntinhos mijando-se pelas pernas abaixo: -Tá já apanhei a ideia, tchau.
Lá se foi o Erecteu, pernas abertas, deixando um rasto de pingos, tal como viera ao mundo.

À tardinha, ligou a sua máquina, um dois oito seis AT com coprocessador aritmético, disco de 40 e uns avantajados quatro megas de lembradura; acendeu um Clubmaster às escondidas e começou a bumbar:

Lá no alto a lua fugiu de uma nuvem, ou terá sido a nuvem que saiu da frente da lua?
Sinceramente não sei.
-Mas porque é que não me disseste?
- Oh Doce, não ligues a ninharias
-Quantas coisas mais tens escondidas de mim?
-Mais nenhuma. Não tenho nada, nadinha.
-Hum…
-Já alguma vez t’enganei?
A moça resolutamente disse que não, depois hesitou, pensou e acrescentou: Pelo menos que eu saiba...
-Tas a ver, querida… e entre neurónios –Nem te torno a enganar.
-Mas o que é que fazes aqui, afinal?
-Ganho umas massitas. Faço a revisão d’ “A Província de Angola”, pagam-me vinte paus à hora.
-Não é mau não senhora.
-Olha tenho qu’ir despachar ums artigo que ainda me faltam.
-E isso demora muito?
-Nâ filha, meia horita.
-Então espero por ti.

Nem dez minutos depois lá saiu Deolindo agora com as pernas à cavaleiro; os sapatos cambados até lhe davam uma certa gracinha. Enfiaram-se no carro.
-Onde vamos? À ponta da ilha?
Deolindo anui sentido a ponta a despertar e lá foram de janelas abertas, cotovelos de fora, mãos dadas metendo as mudanças numa simbiose perfeita.

Chegados lá não perderam tempo. O amasso era tanto que o carro fumegava e não me parece que fosse do cacimbo no capot.

Na rádio passava o “Café da Noite em Boa Companhia”. O João Canedo estava a por sua conta porque o Sebastião Coelho já se tinha posto nas putas, do éter veio:
.



Valsinha
(Vinicius de Moraes - Chico Buarque)

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito
De sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente
Do que sempre costumava olhar
E não mal disse a vida tanto quanto era seu
Jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto
Pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar
Então ela se fez bonita como há muito tempo
Não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a
Guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como
Ha muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça
Foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança
Toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade enfim
Se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos
Roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz

quinta-feira, 18 de junho de 2009

The end


Adeus tristeza - Fernando Tordo
.

Epilogo que me cheira que não é prologo de coisa nenhuma:

-Mas porque é que não me disseste?
-…
-Quantas coisas mais tens escondidas de mim?
-…
Está desfeito o mistério das sortidas nocturnas de um Deolindo remetido ao silêncio arcando com a culpa da vil traição da confiança da Docelinda generosa que tudo partilhava com quem afinal não a merecia.

Sem querer tomar partido aqui o condeno à privação de um dia irem pelos campos colherem uma flor. Bem feito!

Adeus Deolindo, adeus Docelinda, gostei muito de vos conhecer.

*

==================* *==================

Na minha vida tive palmas e fracassos
Fui amargura feita notas e compassos
Aconteceu-me estar no palco atrás do pano
Tive a promessa de um contrato por um ano
A entrevista que era boa
E o meu futuro foi aquilo que se viu

Na minha vida tive beijos e empurrões
Esqueci a fome num banquete de ilusões
Não entendi a maior parte dos amores
Só percebi que alguns deixaram muitas dores
Fiz as cantigas que afinal ninguém ouviu
E o meu futuro foi aquilo que se viu

[Refrão:]
Adeus tristeza, até depois
Chamo-te triste por sentir que entre os dois
Não há mais nada pra fazer ou conversar
Chegou a hora de acabar

Na minha vida fiz viagens de ida e volta
Cantei de tudo por ser um cantor à solta
Devagarinho num couplé pra começar
Com muita força no refrão que é popular
Mas outra vez a triste sorte não sorriu
E o meu futuro foi aquilo que se viu

[Refrão]
Na minha vida fui sempre um outro qualquer
Era tão fácil, bastava apenas escolher
Escolher-me a mim, pensei que isso era vaidade
Mas já passou, não sou melhor mas sou verdade
Não ando cá para sofrer mas para viver
E o meu futuro há-de ser o que eu quiser


quarta-feira, 17 de junho de 2009

Bico de laca


Bird Girl - Antony & The Johnsons
.


Deolindo
Palavras ... o vento leva-as

Tás frito Jaquim
Para quê gastar Latim

o que tem de ser tem muita força


A partir daqui esta história perde o interesse. As cartas estão dadas, joga-se sem trunfo, manda quem tem melhor mão. Instala-se a rotina:
Docelindo acompanha Deolinda a casa. D. Fernanda de Miranda adverte. Docelinda chuta para canto.

D. Quinhas vê preocupada o seu menino em metamorfose ir tecendo um casulo. Observa-o a manusear livros que até ali, naquela casa, não tinham tido lugar. Embora mais presente sentia o neto ausente.
-Lindo, tu está com problema? Teve que repetir.
-Não velha. Descansa. Acho que os deuses deitaram o rabo do olho para mim.*
E garanto-vos que estavam mas há deuses e deuses, melhor será que aqueles que gostam de pregar partidas tenham ido espreitar a face escondida da lua.

D. Quinhas moxoxou abanando a cabeça e foi espreitar os quiabos que tinha posto a suar junto com cebola e tomate num fino lençol de óleo de dendem, o feijão encarnado esperava pela sua vez, ao lado morninho, todo inchado. Depois, era o jantar a dois sem muita poesia mas muita ternura selada no fim com um beijo na testa antes da sortida da noite, para no outro dia tudo se repetir.

Houvesse então eme-eme-esses e a coisa seria diferente, mas não havia e os pensamentos de Docelinda ficavam com ela não chegando aonde deveriam chegar.

No outro dia tudo voltava ao mesmo, o que é que querem que vos diga, era assim! Foi assim durante muito tempo. Docelinda fez dezoito anos, tirou a carta, apareceu com um Hillman Imp quê se fez a inveja das amigas, muitas alegrias também lhes deu.

Está-se mesmo a ver onde foram parar os passeios de mãos dadas, não é?

Pois, é. Agora tudo é diferente. Docelinda dá boleia para cá e para lá e agora quem xinga é D. Quinhas.
-Meu filho, tem cuidado essa branca ainda te vai magoar.
Oh vó! Não fales assim.
-Estou-t’avisar.
Passou Deolindo a chutar para canto que D. Fernanda de Miranda amansou desde que o maltês deixou de rapar o pé à sua porta

A bronca estalou quando Deolindo foi apanhado com a boca na botija. Ia Docelinda pela Salvador Correia a caminho do Restauração quando viu Deolindo caminhando pelo passeio. Parou o carro para o chamar mas um camião do lixo retirou-lhe a vista, quando ele se foi também já ele se tinha ido. Simplesmente esfumara-se. O fumo assaltou-lhe a cabeça e como muito sabemos não há fumo sem fogo…
Quando chegou ao cinema procurou o seu lugar no meio do escuro da sala e da alma. O Bugs Buny corria à frente de tiros de caçadeira depois nem Louis de Funes chegavam para lhe secar as lágrimas… havia de pagá-las, prometeu.
No dia seguinte não houve boleia para ninguém.

Nessa noite montou a espera, não haveria carro do lixo que o salvasse. Viu-o vir naquele passo gingão, dizer uma graçola qualquer a duas miúdas que passavam, as pernas deles pareceram-lhe mais tortas, os sapatos mais cambados. Deixou-o entrar no prédio, saiu do carro sem se dar ao trabalho de fechar os vidros, e acometeu decidida.
Empurrou a porta de madeira e espreitou. Lá do fundo vinha um surdo matraquear, ao cimo das escadas viu luz, subiu furtivamente assomou a cabeça ao plano do chão e viu uma desordem de pés de gente e de secretárias.
Uns pés avançaram direitos a si, precipitou-se escadas abaixo e a três passos da salvação foi detida por uma vós.
-Que deseja?
-Desculpe, devo ter-me enganado.
-Malta, gritou ele por cima do ombro, temos passarinha no ninho.
bico de laca?
-Não sei venham ver.
Aterrorizada ouviu um tropel.
-Ná. Para mim é peito celeste.
-Deixem a miúda.
-Hô hô temos cavaleiro andante.
-Deolindo aproximou-se afastando-os um a um, passou o braço pelos ombros de Docelinda e levou-a para o calor da rua.

Lá no alto a lua fugiu de uma nuvem, ou terá sido a nuvem que saiu da frente da lua?
Sinceramente não sei.


*com direitos, mando um abraço ao autor.

*
==================* *==================


I am a bird girl now

I've got my heart

Here in my hands now

I've been searching

For my wings some time

I'm gonna be born

Into soon the sky

'Cause I'm a bird girl

And the bird girls go to heaven

I'm a bird girl

And the bird girls can fly

Bird girls can fly

segunda-feira, 15 de junho de 2009

o que tem que ser tem muita força


The Midnight Special - Studio 99
.

Engoliu as últimas garfadas à pressa, limpou a boca, atirou o guardanapo para cima da mesa, beijou a avó na testa passou pela casa de banho ajeitou rapidamente o cabelo. Ouviu a avó dizer lá de dentro –Vens tarde? –Não sei vó. –Não bebas, filho. –Velha, não metas namorados em casa. -Xi! Minino não fala assim.
Riu enquanto batia a porta, lançou-se escadas abaixo, direito à secreta vida nocturna…

Voltou altas horas. Em passo fantasma foi ao quarto da avó, roubou-lhe o despertador que ajustou para as sete horas.

Acordou com o sol batendo-lhe na cara, olhou o despertador que parecia rir dele.
-Não destravei esta merda! Gritou. Oh Vó!!! Nada. Já tinha saído.
Reduziu os rituais ao mínimo, agarrou num caderno, depois num bocado de pão fresco e voou só parando à porta da sala de aula; compôs-se, bateu à porta. –Posso, entrar? Disse espreitando. Lá de dentro veio um coro de gargalhadas. –A estas horas? Já tens falta. –Posso ou não? –Entra.
Disfarçando o embaraço atravessou a sala direito à ultima carteira do lado da janela. Ainda não abrira o caderno e a professora:
-Deolindo, vita - vitae. Genitivo do plural.
Fechou os olhos, um segundo de pois, rompeu o silencio sepulcral da aula com um decidido vitarum.
A professora arqueou as sobrancelhas deu uma volta e disparou:
-Dativo.
-Vitae.
-Não, do plural. Ouviu-se um oooh
-Vitis. Ouviu-se um aaah
-Muito bem, então, então… Segunda declinação…
-Desculpe sôtora, só sei a primeira.
Mas, disse a prof, num doce cantado, em crescendo, já vamos - na quarta - NÃO É DEOLINDO?
É, sôtora. Na próxima aula saberei a segunda, a terceira e a quarta.

Um qualquer sacana bateu palmas que incendiaram como palha em Agosto. Docelinda sorriu, sentiu o coração a aquecer; aos lábios chegou-lhe o sabor do primeiro beijo.
A um grito da professora a sala silenciou.
-Na próxima aula veremos.
E a missa continuou sob o signo do rito do santo ofício, inquisitoriamente dirigida ao sector de onde os aplausos mais se tinham destacado.

Tocou para a saída as galerias do claustro inundaram-se de sons atropelados. Os rapazes desceram ao primeiro piso, as meninas como pombinhas brancas arrulhando, tomaram os seus lugares debruçadas no parapeito da galeria.
Deolindo envolvido pelos colegas era empurrado rumo ao pátio dos bambus, tolerado salão de fumo, para declinar umas anedotas ou narrar uma história mais ou menos edificante consoante o fuso moral em que se situem os virtuais seguidores deste emplastro.
-Malta, fico por aqui. Tenho que ir ao bar comprar uma Bic.
Uma Bic… uma merda é que é; eu bem te topo. Disse o Vasco largando um moxoxo.

Eles lá foram ao cigarrito, Deolindo à Bic onde, querem lá ver, por acaso encontrou Docelinda que tinha ido comprar uns lenços de papel.
"o que tem que ser tem muita força"
Fortuna dixit.
*
==================**==================

Well, you wake up in the mornin, you hear the work bell ring,
And they march you to the table to see the same old thing.
Aint no food upon the table, and no pork up in the pan.
But you better not complain, boy, you get in trouble with the man.

Let the midnight special shine a light on me,
Let the midnight special shine a light on me,
Let the midnight special shine a light on me,
Let the midnight special shine a everlovin light on me.

Yonder come miss rosie, how in the world did you know?
By the way she wears her apron, and the clothes she wore.
Umbrella on her shoulder, piece of paper in her hand;
She come to see the govnor, she wants to free her man.


If youre ever in houston, well, you better do the right;
You better not gamble, there, you better not fight, at all
Or the sheriff will grab ya and the boys will bring you down.
The next thing you know, boy, oh! youre prison bound.

domingo, 14 de junho de 2009

Para quê gastar Latim

.


to latim - timbalada
.


Mal abriu a porta deu com Deolindo do outro lado da rua frente ao portão.
-Já almoçaste? Estás aí há muito tempo?
-Já, cheguei mesmo agora, disse com todos os dentes que lhe restavam na boca. E puseram-se a caminho do Liceu pelas mesmas sombras. Chegados lá não viram vivalma pois o segundo toque já tinha dado, a custo, não tanto como isso, Docelinda, face à falta garantida, soçobrou à ideia de ficarem a estudar Latim debaixo da frondosa mangueira. Da língua morta Docelinda ensinou qualquer coisa, em troca ficou a saber o que era uma língua viva. É justo, né?

Está visto que estes vão por maus caminhos.
A vida destina-nos uma trilha com bifurcações que nos leva ao destino final. Pois é, o que um simples beijo pode fazer! Docelinda fugou pela primeira vez às aulas e Deolindo, naquele ano, fê-lo pela última vez. Ora toma.
Glória, glória que aqui, quase, se acabava a história mas mais está para vir.
É fácil de adivinhar que pudemos ver, terminadas as aulas, Deolindo acompanhando Docelinda com o sol pondo-se nas suas costas. Uma única sombra feita de dois indica-lhes o caminho que eles não seguiram. Tomaram rumo mais largo em passo cada vez mais lento contornando o Largo da Sagrada Família, mão dada afoita só apartada quando chegaram à rua dela.
A despedida foi um breve aceno sublinhado por um intenso olhar que dizia mais do que aquilo que uma convencional A4 suporta.

Tirou a chave do vaso que não foi precisa, Dona Fernanda de Miranda abriu-lhe a porta; sem lhe dar tempo para receber um beijo virou-lhe as costas refugiando-se em afazeres já feitos.

-Mãe, estás zangada comigo, dando-lhe o beijo antes recusado.
De novo com aquele desavergonhado, foi o invocado.
-Mas, tu nem o conheces! Como podes dizer isso!
Gente como aquela conhecia, de há muito, de olhos fechados, foi argumentado.
-Não és tu que dizes que não devemos julgar pelas aparências?
-E não és tu que dizes que eu nem sempre tenho razão?
-É. E agora confirmo.

Tal ia a moenga, hei! O melhor é, para já, diz a razão, é pôr cada uma com a sua remetendo Docelinda para o quarto à volta da “Initia Latina” auxiliada pelo Francisco Torrinha, pelo meio metia-se quando em vez um Deolindo virtual a custo afastado.

No outro lado da cidade, a alguns suspiros de distância, Deolindo encetava um caderno, escrevia :
Rosa - Rosae
Rosae - Rosarum
Rosae - Rosis
Rosam - Rosas
Rosa - Rosis
Rosa - Rosae


-Deolindo anda comer filho.
-Já vou, vó. Deixa-me só acabar uma coisa.

No fim era o verbo:

Amo, amas, amare, amavi, amatum.
Amo, amas, amare, amavi, amatum.
Amo, amas, amare, amavi, amatum.
Amo, amas, amare, amavi, amatum.
*
==================**==================
Iaiá, iaiá...

Tô vira-lata, tá
Cachorro vadio
E você saca, he, he
Me deixa no ciúme

Alice no país
Da Amaralina sol
Quem sabe distinguir
O amor que eu vivi
A lenda da linha linda é você
Mistura de portuguesa
Com negro

Do fundo da agulha
Onde passou o camelo
Eu sinto sua figura sossego
Sossego, sossego, sossego

Tô latim
Feito lata tim
Feito lata de atum
Feito lata d'água

Alguém quer meu país
Metade animal
Metade matagal
Metade carnaval

Você é a pedra da minha mina de santeiro
Me cura de brotoeja com beijo
Do fundo da agulha
Onde passou o camelo...

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Tás frito Jaquim


.

Goodbye To My Mama (Album Version) - Meryl Streep & Lily Tomlin
.
Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate malandro, a fugir pela travessa, era o almoço.
O Dioguinho não gostava de peixe, Docelinda gostava mas… não gostava de tomate, Dona Fernanda que gostava de ambos estava de dieta para além dos fritos brigarem com a pedra na visicula. Resultado, o Dioguinho casou o arroz com croquetes, Docelinda os caraupazitos com salada, Dona Fernanda a salada com o arroz. Então os Jaquinzinhos com arroz de tomate? Perguntarão vocês. Ah! Disso tratava à unha o Sr. Diogo de Carvalho; pegava neles pela cabeça e, pequeninos como eram, só não marchavam de uma vez porque o Sr. Carvalho fazia questão de saborear a cabecinha estaladiça em separado, por regra, de três em três peixitos aviava meia garfada de arroz.

Com tanta gente metida na história assim de repente se isto nã dá merda ainda dá bota, vamos lá devagar e não divagar.

Primeiro, se por acaso detectaram alguma incongruência de apelidos eu explico.
D. Fernanda ia no terceiro marido, filha de António, lavrador pouco abastado, lá para os lados de Santiago do Cacém, quando assentara tropa o primeiro-sargento Jeremias perguntara-lhe às tantas, ou melhor precisando, quando distribuía o fardamento: -António quê? De acordo com o declinado pelo praça botou na folha, António Só. Mais tarde quando procedia ao abono do primeiro pré topa que o homem na folha não apresenta o nome completo. Mau, temos gato, disse o primeiro, puxando do lápis na orelha e acrescentou “Só”, não? é ao que o recruta respondeu: -Não meu xargento é só António. Bom, mas onde quero eu chegar, sei eu pelo que fica então só mais isto:
-Afinal em que ficamos, de onde és?
-Xou de Miranda do D’oiro.
E ficou António Miranda, nome a que se afeiçoou e à filha doou.
O primeiro, digamos assim, marido de Fernanda foi um janota a que o pai chamava de maltez que aparecia e desaparecia. Bem-falante e galante, menina e moça levou Fernanda para Lisboa começando cedo por trocar a oferta de flores por ameaças de porrada, passando mesmo aos factos quando soube que Fernanda emprenhara. Não levou muitas, ainda a saia, à frente, pouco empinava e já Fernanda se pusera a léguas, esfregando soalhos até ao dia da sua Docelinda nascer, lá para os lados do Barreiro.
O segundo, de vestido de noiva e aliança, foi um africanista amigo dos senhores onde esfregava e passajava, cozinhava e arrumava, a troco de pouco mais do que cama e comida para si e para a sua menina. Mendonça de seu nome estava de férias pela primeira vez, trinta anos depois de ter partido para Angola onde voltou passados trinta dias com duas meninas pela mão. Foram seis anos de muita felicidade, muito trabalho e pouca paixão. Na véspera de levarem a menina para um colégio em Nova Lisboa, a malvada levou Mendonça enquanto fazia a sesta. Fernanda enterrou o marido, arregaçou as mangas e fez o que até ali fizera, o seu trabalho; cerrou os dentes e fez o que podia do trabalho que competia ao defunto. Dois anos depois vendeu a fazenda pelo dobro do que um vizinho benemérito oferecia: uma ninharia. Rumou a Luanda onde abriu a Pastelaria Miranda, de que se gabava ter do melhor: chá, torradas leite com chocolate e bolinhos sempre frescos, fabrico próprio.
O terceiro já vocês sabem quem é; Diogo de Carvalho, despachante oficial, passou de prestador de serviços, aquando da importação de equipamento de hotelaria, a consumidor de mimos e atenções.
Mas voltemos ao almoço ainda a tempo de os apanhar com a boca na fruteira recheada de mangas, banana e, pasme-se, lindas uvas brancas.
-Docelinda, tem cuidado com aquele maltês.
-Oh, lá está a mãe. Desculpem faz-se tarde, tenho que ir para as aulas. Três beijos rápidos e aí vai Docelinda.
Não sei bem quem disse ou pensou:

Vai com Deus Docelinda
*
==================**==================
Goodbye to my Mama, my uncles and aunts,
One after another they went to lie down.
In the green pastures beside the still waters
And make no sound.
Their arms that held me for so many years,
Their beautiful voices no longer I'll hear,
They're in Jesus' arms and He's talking to them
In the rapturous new Jerusalem.
And I know they're at peace in a land of delight,
But I miss my Mama too.

Goodbye Eleanor, and Aunt Franny and Jo,
Goodbye Uncle Jim, and Elsie and Don,
Goodbye to my Mama who went to lie down,
And now is gone.

Whose hands are these so rough and hard,
Nails all torn from toil and care?
Who cleaned the house and kept the yard?
Touched my cheek and stroked my hair?
Thank you Mama the lord give you peace.
Bless your voice and the songs you've sung.
Blessed your arms and your hands and your knees.
How you loved us when we were young.
The lord's my shepherd I'll not want.
I have my Mama, my uncles and aunts.
Waters so still and pastures so green.
Goodness and mercy following me.
Goodness and mercy following me.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Palavras ... o vento leva-as.



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stória stória - mayra andrade
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Troco um dia de poesia por uma vida de ilusão.
Contrariamente à norma, virou-se.
Ah! És tu Deolindo e ponto, sem réstia de exclamação e muito menos de interrogação. O mulato corou, gaguejou, sem buraco para se enfiar e porque recuar não lhe ía no estilo, imaginativo, saiu-lhe na perfeição

- Ah, és tu Docelinda. Vejam só!


Se Docelinda achou piada ao dichote, mais piada achou à atrapalhação reforçando a sua segurança.
Queres vir comigo? Deolindo apontava rua abaixo, rua acima; coitado parecia um policia sinaleiro. Pior que um homem atrapalhado… só dois, né?


-Anda daí.

Apardalado seguiu-a; entre comichões no naris e pigarreios, levou quase um quarteirão a recuperar. Olhando-a pelo canto do olho viu-a abraçando os livros contra o peito não escondendo um sorriso malandro. E assim foram passeio fora, em silêncio, de sombra em sombra que as poucas árvores proporcionavam. Deolindo meio a medo dirigiu-lhe a mão ao peito, ela, fulminou-o com um olhar, meio estarrecido… -Eu levo-tos, disse, apoderando-se dos livros. Corada baixou a cabeça, escondeu o rosto com as mãos, parou e largou uma sonora gargalhada, ele respondeu com outra.

Assim, sim, digo eu, está estabelecido o equilíbrio, pelo menos no que diz respeito a rubores. Mas foi bom.

Dali para a frente não se calaram, vocês sabem como é, coisa de pouca importância: Beatles, actores e filmes bastaram até ela dizer: -Moro aqui; e ele: Ah!
Ela entrou o portão da vivenda e ele lá seguiu os seus passos, sem saber bem para onde.


Mas isto não pode ficar assim, porra! Mas quem manda aqui? Deolindo volta, já, depressa.


Deolindo voltou-se deu uma corrida apanhando-a ainda a meio da porta de casa. –Docelinda, logo vais às aulas?
-Claro.
-Posso…
-Podes, espero-te às duas.


Vejam como vai agora Deolindo assobiando baixinho com o coração a rebentar.

Docelinda entrou em casa chamando a mãe. –Estou aqui, filha. Aproximou-se feliz da mãe que compenetradamente ajeitava um arranjo de flores colocadas sobre o piano junto à janela e beijou-a.
Dona Fernanda de Miranda, retribui docemente o beijo.
-As aulas correram bem?
-Muito bem mãe.
Quem era aquele fulano?


Fulano? Cá para mim o caso está pior parado que crédito em época de crise.
Oh Mãe!!! É um colega.


Hum!!! Vai lavar as mãos para irmos pá mesa.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Deolindo

Esta é a história quase verdadeira de Deolindo Casanova, mulato de pé calçado, que fingia achar-se o mais lindo quando se olhava no espelho.

Esticava o cabelo ligeiramente descolorado com a escova ajudando com a palma da mão levemente embebida com Brylcream , coisa que o ocupava por uns dez minutos bem medidos. Sem deixar de fixar o espelho limpava as mãos na toalha pendurada na cadeira, dobrava-a impecavelmente, voltava a pô-la no sítio. Ajeitava a camisa de chita estampada cuidadosamente enfiada dentro da calça branca Lafinesse, enfiava no bolso direito o indispensável lenço branco que ele cuidadosamente esticava onde se sentasse, muito útil ainda também para equilibrar o enchumaço que sobressaía do lado esquerdo, por fim aspergia generosamente Old Spice nas mãos, passava-as pelas faces acabando por as fustigar energicamente, exactamente como vira Belmondo fazer naquele filme. Este era o seu ritual sagrado antes de sair de casa pelas onze, mesmo a tempo de assistir à saída do liceu.

A sua chegada era alegremente festejada de longe quando ele assomava no seu passo gingão, pernas ligeiramente cambadas à cavaleiro.

-Conta lá uma.
-Não me xates Kata. Kata era o nome desvirtuado do seu mais fiel admirador.
-Toma lá um cicarro.
-Hê pá, ainda agora fumei um… mas tá bem, aceito. Batia com o cigarrona unha do polegar, tivesse filtro ou não, alinhava o cigarro costas da mão voltada para cima, com os dedos unidos, dava uma palmada no antebraço para acontecer magia: o cigarro volteava no ar para poisar nos seus lábios.
Passada meia hora de cavaqueira dizia invariavelmente –Tá na hora. Estava na hora de rumarem ao portão de saída das miúdas. Lá iam para contornarem os enormes muros, como se diz hoje, interagindo com quem se cruzavam.
-Porra, olh’ás calças! Disse voltando-se como uma mola, punho em riste.
Lívido Kata balbuciou um – desculpa - para ouvir um – desculpa o caralho. A rasteira afinal não tivera piada.

Deolindo não era um brigão mas com as calças e o cabelo não brincava, que o diga Renato Caruso assim baptizado por Deolindo pelo furor que os seus trinados faziam nas matinés de Domingo. De certa forma eram as faces opostas e inversas da mesma moeda. Para resumir: Caruso era um híbrido na percentagem 10 de Elvis 88 de Carazonni e 2 de Renato. A animosidade entre eles era disfarçada pelos mimos trocados até que um dia, à saída de uma aula de Alemão, Renato se meteu numa brincadeira não tendo melhor ideia do que desfazer o penteado de Deolindo resultando num simples “espero por ti lá fora” com empate final a dois: um olho negro e um lábio rebentado a favor de Caruso para dois dentes a favor de Casanova que teve o direito de saída em ombros. Favoritismos da assistência nada mais.

Bom, mas eles iam a caminho do portão das miúdas, né? Pois’é! As miúdas cedo começaram a sair sendo, as primeiras, distinguidas com palavras que iam da bifana ao marisco. O mulato reservava para as mais bonitas: És feia que nem um bode, ou Credo! Tiveste um acidente? Para a irmã mais nova das Metralhas que eu, por piedade cristã, me recuso a descrever, dedicava, mão no peito e de olhos aos céus, a canção “O que é que você vai fazer Domingo à Tarde”. Isto era Deolindo à saída do Liceu até avistar Docelinda. Estão já a imaginar uma BOAZONA, né? Ná. Docelinda só era, simplesmente doce e linda! Boa colega, aplicada, não se eximia de se pôr de lado para o que o detrás copiasse os testes que, invariavelmente, acabava primeiro que todos.

-Já acabaste? Podes entregar.
-Não sôtor. Tenho que completar uma pergunta, obrigada, melava. E o teste passava ora para a esquerda ora para a direita da carteira. A malta à volta parecia que ganhava pescoços de avestruz. Não obstando à sua irrepreensível compostura, Deolinda, alinhava nas pelintrices da turma, está bem de ver que tais predicados agravados por uma elegância extrema e um rosto permanentemente radiante, causavam mais estragos que gripe suína. A epidemia tomava conta da turma alastrando até para fora do liceu. Os mais afoitos metiam à carga, ela, com a mestria de toureiro limitava-se a discretamente distribuir chicuelinas e passes de peito. Olé.
Quem não carregava adoptando antes a táctica do quadrado qual cavaleiro da ala dos namorados, era Deolindo.

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
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Os poetas podem saber muito, mas quem de facto tinha razão era o beato promovido recentemente a santo. Naquele dia, estes olhinhos que a terra hão-de comer, viram o que a Alzeimer ainda não apagou: Docelinda passou por nós, Deolindo atirou a beata para o chão esborrachou-a com a biqueira do sapato e disse: Tchau malta. Vimo-lo ao passar por Docelinda abraçá-la pelo ombro, Docelinda abraçar-lhe a cintura e lá foram eles. Nós para ali ficámos… de boca aberta.

Troco um dia de poesia por uma vida de ilusão.

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Silêncio e tanta gente - Maria Guinot

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Silêncio e tanta gente

Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro o amor em teu olhar
É uma pedra, é um grito
Que nasce em qualquer lugar

Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal aquilo que sou
Sou um grito ou sou uma pedra
De um lugar onde não estou

Às vezes sou o tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar
Às vezes sou também um sim alegre ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão

Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro as palavras por dizer
É uma pedra ou é um grito
De um amor por acontecer

Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal p'ra onde vou
E esta pedra, e este grito
São a história daquilo que eu sou

Às vezes sou o tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar
Às vezes sou também um sim alegre ou um triste não

E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão

Às vezes sou o tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar
Às vezes sou também um sim alegre ou um triste não

E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão