sábado, 23 de agosto de 2008

Poema pequenino *

Contrariamente ao habitual deitou-se cedo e adormeceu logo. Dormiu de seguida para acordar com o sol a despontar, surpreendentemente bem disposto; pronto já está, pensou, sessenta já cá cantam e não custou nada. Desfez a barba de três dias que há anos o acompanhavam, saltou para a banheira e após um duche rápido que culminou a água fria, baldou-se da banheira e dirigiu-se à cozinha chapinhando a tijoleira, com cuidado, não fosse o demo tecê-las. Fez um café forte e dirigiu-se á varanda de trás, sentado na cadeira de lona, fez escorregar o rabo e apoiou os calcanhares no murete. Mirou os pelos do peito, cada vez mais brancos, meteu as mãos entre as pernas e afagou os tomates pensativo; foi afagando, afagando… Sobreveio uma erecção em crescendo, tomou o resto do café de uma assentada, fechou os olhos e continuou o, deliciado, doce afago acariciando o peito até que sentiu o corpo ser percorrido por um agradável tremor; ofegante deixou-se ficar por instantes de olhos fechados com um quase sorriso nos lábios.
Levantou-se rindo, com aquele riso que o persegue deste sempre.


-Parabéns, conta muitos, disse ainda gargalhando.



* a uma amiga que com os seus doces afagos me consegue fazer vir... em palavras; e com esta me devo ir, até para a semana. Bjs.


고마워요 (Thank You) (Duet 배슬기) - 안젤로

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Como os chapéus, há muitos… II

Grilos

Não falo daqueles que competem com as cigarras no alegrar dos verões, ainda que deles se diga que só moem a cabeça, não deixam dormir, ainda que em noite de aperto, com o calor a morder e o barulho do silêncio instalado na cabeça, se rebole na cama. Falo sim dos grilos da consciência, daqueles que nos sussurram sobre o ombro qual o caminho a trilhar. Falo por exemplo de Fulguroso Esperto, que me apontava o dedo ao peito advertindo-me para a possível negritude dos meus pulmões.


Ainda a (des)conhecida (para o Sô Zé) lei do tabaco estava a muitos anos de parir e já Fulguroso Esperto entrava em crises de asma, só por me ver levar a mão ao bolso da camisa; pusesse eu o cigarrito nos lábios e Fulguroso ficava roxinho; chegada a chama ao tabaco, Esperto, enrouquecia. Enrouquecido e meio desfalecido perorava:


-È uma questão de força de vontade e de respeito pelos outros; eu que fumei durante trinta anos…

Mas que fazer? Força eu tenho alguma, mas vontade... vontade não tenho nenhuma.


Fulguroso Esperto, nascido a 25 de Abril de 1974, foi vítima de aneurisma anal.
Vai amanhã a enterrar. Lamento que não tivesse deixado de fumar um ano mais cedo, talvez o hemorroidal tivesse resistido mais um pouco.


Mas quem sou eu para…



Saudade - Luis Represas

Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco
Há sempre alguém que nos faz falta
Ahhh, saudade...

Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco
Há sempre alguém que nos faz falta
Ahhh, saudade...

Chegou hoje no correio a notícia
É preciso avisar por esses povos
Que turbulências e ventos se aproximam
Ahhh, cuidado...

Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco
Há sempre alguém que nos faz falta
Ahhh, saudade...

Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco
Há sempre alguém que nos faz falta
Ahhh, saudade...

Foi chão que deu uvas, alguém disse
Umas porém colhe-se o trigo, faz-se o pão
E se ouvimos os contos de um tinto velho
Ahhh, bebemos a saudade...

Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco
Há sempre alguém que nos faz falta
Ahhh, saudade...

E vem o dia em que dobramos os nossos cabos
Da roca a S. Vicente em boa esperança
E de poder vaguear com as ondas
Ahhh, saudades do futuro...

Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco
Há sempre alguém que nos faz falta
Ahhh, saudade.

Como os chapéus, há muitos… I

Policias
Não falo daqueles que faltam em esquadras e ruas, ainda que se diga sobrarem enquanto folgam as costas; porque em momento de aperto, quando o pau vem e a carteira se vai, de esticão, o carro muda de mãos fruto, ou furto, de um tal, afamado Car Jacking… aqui d’el rei.

Falo sim dos policias que residem dentro de nós, que nos fazem buzinar. Buzina-se por dá cá aquela manobra! Buzina-se em rotundas por hipotéticos atropelos de prioridade, buzina-se porque alguém vai a velocidade errada, depressa ou devagar demais. Buzina-se e incendeiam-se os faróis porque indevidamente se ultrapassou, ou porque a galinha, que nos precede, nunca mais ultrapassa o camião…

Os polícias que dentro de nós habitam, buzinam, buzinam e castigam:

Quando seguia na sua mão, junto a traço contínuo, Fulguroso Esperto, nascido a 25 de Abril de 1974, foi vítima de colisão frontal.
Vai amanhã a enterrar. Lamento o seu azar, saúdo a sua coragem, louvo o seu sacrifício: ainda que dispusesse de uns generosos seis metros à sua direita, não abdicou dos seus direitos.

Mas quem sou eu para…


Sê um GNR - G.N.R.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Tão amigos que nós éramos!

O estado português é sustentado por órgãos cujos poderes se pretendem independentes. A sua organização administrativa contempla, para alem do governo central, a administração autárquica e a esta acresce a administração regional, de momento e até que outras sejam criadas, da Madeira e dos Açores.
Organiza-se, segundo princípios democráticos que visam a independência dos seus órgãos e existe contudo a possibilidade da fiscalização de uns órgãos pelos outros. O Presidente da República (PR) é o mais alto magistrado da nação, emanando o seu poder de sufrágio universal e directo, está obrigado a respeitar e fazer respeitar o texto constitucional.
O poder legislativo e executivo é assumido após renhidas lutas politicas; umas públicas, ruidosas e agitadas, e outras intestinas, surdas e calculistas.

Temos um PR, de todos os portugueses, de coração marcado pelas setas populares ou social-democratas e um governo central, sustentado por uma maioria parlamentar/legislativa, com a marca d’água de uma rosa “apunhalada” ou de um punho “rosado”.

Do PR, do Governo e da oposição:
Tivemos até agora uma louvável cooperação institucional que superou as expectativas e deitou por terra os arautos da desgraça, os nostradamus apocalípticos que peroraram sobre os perigos de um presidente de direita. A desorganização da oposição PSD/PPD e a execução de reformas por parte do PS que o fariam dizer delas, se não estivesse no poder, o que o profeta não disse do toucinho, poderão ser a justificação de tanta harmonia. Resta a oposição de esquerda que deita o olho guloso ao eleitorado descontente, sujeita a regimes de baixo teor calórico, e adivinhando algum aumento de peso nos próximos banquetes eleitorais –não se esqueçam eles de que a amnésia do povo é longa.

Se isto da redução dos poderes presidenciais, no que diz respeito ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores, desse para o torto, que não dará, se a maioria parlamentar somente corrigir os atropelos detectados pelo Tribunal Constitucional, o que é possível, este sistema semi-presidencialista permite que o PR, ouvidos os que tiver ouvir, convoque eleições antecipadas, o que não me cheira.

Então…! Então, parafraseando: nada se perde mas, mas pelo menos, algo se transforma. Transforma-se e não é a partir do nada. Transforma-se a partir do momento que o Leite, derramado no PPD/PSD, de Manuela Ferreira, lhe dá alguma esperança de vida.

“Governais… é bem feito.” Disse Almeida Santos em memorável discurso, quando pela primeira vez, in illo tempore, o PS cedeu o poder a favor do PPD/PSD, à laia de, digo eu, “se soubésseis, quão difícil é governar…”. Pois bem, vaticino que, contra o que é de momento projectado, as favas não estão contadas. A harmonia vai continuar entre Belém e S. Bento; vai continuar mas tensa. A dupla Cavaco/Leite, o grão-mestre e a mestrina, preparam pela certa um conserto, a orquestra de câmara já existe e para que tudo corra bem há que silenciar os desafinados.

A tempestuosa comunicação do PR, bem vistas as coisas, não passa de tempestade em copo de água. Queixa-se o PR de não ser admissível que lhe limitem os poderes, o que se me afigura de falacioso, na medida em que o seu poder de dissolução do Parlamento regional açoriano se mantém - ainda que possa que ter que ouvir, em coro, o Conselho de Estado e a solo o presidente do Governo Regional. Ganda coisa!

Olhem, para mim chateia-me muito mais conviver com a ideia de ser governado por um senhor que promete umas coisas bué de interessantes e que depois confessa não estar à altura de governar, porque afinal desconhecia o estado da nação -estou até disposto em alinhar no pagamento dos custos da repetição de eleições quando se verificarem aldrabices eleitorais, sem prejuízo de os aldrabões serem irradiados da participação na vida politica. Em consequência da aludida ignorância temos que mamar com exactamente o contrário do que nos fora prometido, é caso para dizer que foi uma tanga.

Da tanga, passámos a nus, e ele passa sem que lhe atirem à cara que ele, qual rei, também nu vai.
É obra né?
A Constituição é que não pode ser atropelada, de resto vale tudo inclusive mudá-la, mas para isso é preciso uma maioria qualificada e aí não é a porca que torce o rabo mas sim o rabo que torce a porca.