quarta-feira, 28 de maio de 2008

O pão, o pau e a nau.

O conforto deste divã permite abrir o que trazemos trancado na alma: pieguices, fantasmas ou efabulações.
Construímos histórias bonitas, ancoramos a fé onde podemos ou dá jeito, como é o caso da ideia que tenho da grande reserva de solidariedade a que se permitem os que muito pouco têm. Refiro-me concretamente ao meu conhecimento, relativamente próximo, de comunidades africanas que demandaram Portugal em busca de tranquilidade e de (alguma) dignidade social. LOTAÇÃO ESGOTADA era conceito desconhecido para tais comunidades, ou famílias se preferirem, havendo sempre lugar para mais um que chegasse, entendendo-se por lugar: cobertor, pão ou um módulo de transporte.
Estas comunidades viviam em crise e geriam-na, aos olhos da sociedade onde pretendiam inserir-se, de forma incompreensível.
O que recentemente se passa na República Sul-africana (RSA) leva-me a pensar que se deve ter cuidado ao olhar a floresta que esconde a arvore. Tomar a parte pelo todo, generalizar, é um passo para conclusões erradas, o inverso é igualmente verdadeiro.
O sentimento de pertença que tão fortes implicações cria, cria por outro lado sentimentos de rejeição. Sabido que a grande nau corresponde proporcional tormenta, desenrolam-se, num ambiente de incontroláveis emoções, cenas degradantes que, suspeito e quero crer, de espontâneas só têm a aparência.
Escasseia a razão quando o pão a partilhar escasseia, e porque uma reserva de mão de obra (um pouco) mais barata, ao alcance de detentores de bens e meios de produção, deste modo rouba tão pouco pão… assistimos a um triste milagre da transformação do pão em perseguições que culminam em linchamentos. Quando, como e onde vai parar este milagre que horroriza meio mundo?

Por outro lado: quem será o outro meio mundo que a isto assiste?

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A Nau Catrineta (Versão de Lisboa) - Fausto
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Lá vem a Nau Catrineta,
que tem muito que contar!
Ouvide, agora, senhores,
Uma história de pasmar."

Passava mais de ano e dia,
que iam na volta do mar.
Já não tinham que comer,
nem tão pouco que manjar.

Já mataram o seu galo,
que tinham para cantar.
Já mataram o seu cão,
que tinham para ladrar."

"Já não tinham que comer,
nem tão pouco que manjar.
Deitaram sola de molho,
para o outro dia jantar.

Mas a sola era tão rija,
que a não puderam tragar."
"Deitaram sortes ao fundo,
qual se havia de matar.

Logo a sorte foi cair
no capitão general"

- "Sobe, sobe, marujinho,
àquele mastro real,
vê se vês terras de Espanha,
ou praias de Portugal."

- "Não vejo terras de Espanha,
nem praias de Portugal.
Vejo sete espadas nuas,
que estão para te matar."

- "Acima, acima, gajeiro,
acima ao tope real!
Olha se vês minhas terras,
ou reinos de Portugal."

- "Alvíssaras, senhor alvissaras,
meu capitão general!
Que eu já vejo tuas terras,
e reinos de Portugal.
Se não nos faltar o vento,
a terra iremos jantar.

Lá vejo muitas ribeiras,
lavadeiras a lavar;
vejo muito forno aceso,
padeiras a padejar,
e vejo muitos açougues,
carniceiros a matar.

Também vejo três meninas,
debaixo de um laranjal.
Uma sentada a coser,
outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas,
está no meio a chorar."

- "Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar"

- "A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar.
Que eu tenho mulher em França,
filhinhos de sustentar.
Quero a Nau Catrineta,
para nela navegar."

- "A Nau Catrineta, amigo,
eu não te posso dar;
assim que chegar a terra,
logo ela vai a queimar.
- "Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual."

- "Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar."
- "Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não possas contar"

- "Não quero o vosso dinheiro
Pois vos custou a ganhar.
Quero a Nau Catrineta,
para nela navegar.
Que assim como escapou desta,
doutra ainda há-de escapar"

Lá vai a Nau Catrineta,
leva muito que contar.
Estava a noite a cair,
e ela em terra a varar.

terça-feira, 20 de maio de 2008

De Vossa Excelência, atenciosamente

Não fica lá muito bem gabar-me mas já que ninguém o faz, desculpem lá, faço-o eu.
Confesso que tenho dificuldade em fazer tal coisa, não por qualquer questão de modéstia ou de limitações éticas, -qual quê!- mas pela simples razão de que o meu cesto de tão roto, tão rotinho, não há quem o queira na vindima, só isso.
Ficamos onde, então? Porque sou perseverante, embora me vejam mais teimoso, na gabarolice, tá claro. E com isto voltamos ao mesmo: de que me gabo eu? Bem, aqui é que o rabo torce a porca e para gabar, gabar… à falta de melhor, desculpem lá, não há nada como começar por me pôr a nu antes que outros o façam e que se perceba que pelo peixe morre a boca, sim que burro de todo não sou, e de parvo não vos quero fazer evitando assim o efeito de ricochete.
Abreviando: bom, bom mesmo, como eu não há muitos. Como eu, a fazer merda, não há quem, pena é que me falte a flexibilidade para sair em fic-flac à retaguarda como bons artistas da nossa praça, que por sinal tanto eu invejo. Deste modo, na falta de unhas e de guitarra, não há nada como agachar-me até ao limite da visão da cuequita, consciente de ter calos e da sua inconveniência para apertos.

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quinta-feira, 15 de maio de 2008

Remoendo


A moinha pingando, à porta do trabalho, e eu remoendo pensamentos preguiçosos que o cigarrito solitário a tal obriga, agora que o socialmente correcto assim impõe e o legal a tanto obriga.
O que parecia tão penoso, a menos que seja desculpa de mau fumador, tornou-se afinal num ritual assaz interessante, somente comparável à sociabilização dos que passeiam viralatas ao cair da tarde.
É verdade! Não fora o condicionalismo do nicotoide consumo e, pelo menos da minha parte, jamais teria encetado algumas cavaqueiras que ultrapassaram, em muito, o blá-blá de circunstância.
Remoía eu nisto, quando os malinos pensamentos se desviaram para o recente caso do Sr. Zé, apanhado em executivas passas num fretado aparelho da nossa frota nacional. E remoendo, senti calores apossando-se de mim segregados por uma glândula, a descobrir, que perante a hipocrisia começa logo a bulir…

- Atão não é hipocrisia!!!!
Arrepelam-se me as entranhas quando dou de caras com o oportunismo serôdio dos que não se coíbem de malhar no ceguinho.
- Aqui d’el rei que o homem foi caaçdo a fumar no avião.
E depois, qual é o problema? O homem até ía em trabalho! E com otrabalho não se brinca, né?
Pois é, com o trabalho, e o do sô Zé também, não se brinca.

… e fui remoendo no ao que chega a hipocrisia dos que, por dá cá aquela palha, zurzem por zurzir, zurzindo e amealhando pontos: Uma vez é porque é bicho que nem parece humano, outras porque em flagrante deslize, comum de humano, aqui vai d’isto que o rei vai nu. Sabem que mais, filisteus protestantes? O nosso Zé tem os mesmíssimos direitos que qualquer um de nós, tá?
Se o Zé-povinho pode fumar á porta do trabalho, se o sô Zé ia a trabalhar, qual é o drama?
Já percebi! Queriam que o méne fosse fumar pó pé da porta do avião, a 30.000 pés, é?


Ide badamerda, mas’é, prontos.