quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Ladislau I

Há quem diga que não, eu não posso garantir que nã tava lá mas, cá pa mim aquilo deve ter sido, não, foi mesmo amor à primeira vista e ponto.


Encontraram-se por acaso:

ele - vagueando à toa metendo o nariz ora aqui junto ao quintal com a nespereira, ora ali frente ao portão da escola olhando desinteressado para os catraios, encolhendo-se à passagem de uma perseguição desenfreada por causa de um boné surripiado; achou por bem atravessar a rua para que o outro lado, então descampado, que se oferecia menos confuso; iniciou a marcha observando por cima da espádua o momento em que o larápio era alcançado, sobressaltou-se com a chiadeira de uns pneus e...

ela - ouviu o estrondo, viu-o ser projectado para a berma, bater no lancil e ficar prostrado. Correu para ele enquanto nos seus ouvidos ecoava um “meu Deus” saído sabe-se lá de onde ou de que garganta; acocorou-se junto dele e os piores receios pareciam confirmar-se face à imobilidade e à estranha flacidez que apresentava; pegou-lhe na cabeça e desatou num incontrolado choro quando lhe viu os olhos a entreabrirem-se, depois... levou-o, combalido, para sua casa, fez-lhe a cama na sala e ele sem se fazer rogado aconchegou-se e, parece que, antes de fechar os olhos lançou-lhe um sorriso agradecido.


Foi pois o início de uma relação assente em recíproca amizade e ternura, ainda que entremeada com amuos e ralhetes, uma relação linda de mais, de mais de uma dezena de anos, vocês sabem com’é, né? Ainda lhe doíam os ossos e já ele estava enfiado no quarto dela, pois então! Ladislau era assim e, afinal de contas cá pa mim são todos iguais, enquanto não se enfiam na cama delas nã descansam e... pumba, bem feito, ah ganda Ladislau.

E ela? Ela como todas as outras, ao principio não se importou e até achou piada (ele também) mas com o passar dos anos ela lá lhe foi apontando o seu lugar e frequentemente, Ladislau, batia com o nariz na porta e lá tinha que se resignar ao sofá da sala, pois então, que sempre é melhor que colchão no chão. Atravessava as noites cismando que a má sina e os anos se vinham apossando dele. A dor nos ossos do atopelamento já lá ia , é verdade, mas outras de mansinho chegavam, a uma articulação, depois a outra, depois a outra ainda... não sei que idade tinha e até ela acho que também não. Mas se a safada lhe fechava a porta do quarto, outras, muitas, lhe abria quando necessário, não importa a que horas da noite fosse para o socorrer, ora do coração ora dos rins qu’isto da idade não perdoa! Resta a lição que amor não é só cama, né? Pois é! Não deixar um amigo sofrer é acto de amor grande.


Por uns tempos deixei de ver Ladislau, dantes ainda os via passearem pela frescura da noite, estranhei, consta que o mandou abater.

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