quinta-feira, 19 de março de 2009

Só no fim

Determinada a sentença, começaram os preparativos, equiparam-me de botas e sacola mais a merda de um boné. Até na cozinha do Dr. o vindouro acontecimento ganhou uma nova dimensão! Hermínia, a cozinheira, a partir daí definiu as estratégias que considerou mais adequadas à minha integração no mundo intelectual: Os biscoitos de água e sal libertaram-se da sua forma tradicional e passaram a assumir uma diversidade de formas ao arrepio do ortodoxo símbolo do infinito. Até o Dr. Alexandre se viu feito num 8 para impedir que a canja reassumisse a massinha bago de arroz ao invés das letrinhas.
Cá para nós, de pouco valeu como mais adiante se verá.

O dia chegou, sete de Outubro suponho, e lá fui, como nunca alguém me vira! Começando de baixo para cima: Sapato de verniz com dois números acima, meia branca até ao joelho quase a colar com os calções azuis, pulôver verde urtiga mas a picar um pouco mais, camisa branca com o colarinho a estrafegar e no topo deste bolo não podia faltar, está claro, o boné-cereja.

Como podem calcular a recepção foi apoteótica, né? A alegria de me verem foi tanta, que até os meninos que no passado verão tinham andado aos sapos comigo se associaram aos festejos em alegres palmas, crescentes gargalhadas a culminarem em guinchos, de tal forma que a Soussôra veio á porta e… teve a infeliz ideia de mandar entrar primeiro que os outros.
O que se passou a seguir, na aula, já não me lembro, só me lembro de no intervalo se ter organizado uma futebolada espontânea e que á falta de melhor bola a bola foi advinhem… a merda do boné, está claro.
Foi premonitório a partir desse dia passei a vida a apanhar, e a dar, bonés, olaré.
Mas adiante que pormenores destes não adiantam, a escola que como viram começou bem, bem continuou: as letras já as sabias à custa de biscoitos e de sopass, ler foi por isso canja; a soussôra, Celeste, de seu nome, gabava-me a facilidade para ler, salientava a ênfase que dava aos textos, vaticinando que daria um bom artista de teatro ou declamador de poemas, o que merecia da parte do Dr. padrinho afagos na mioleira e tostões para rebuçados, com reservas quanto ao vaticínio da pedagoga; para ele, era prenúncio de futuro causídico, quiçá juiz, não fazia a coisa por menos.
Quanto é escrita, desde os exercícios elementares, constituídos por intermináveis anzóis e bengalinhas, bolinhas e orelhinhas pá esquerda e pá direita, interpretados livremente à minha maneira, a Soussôra Celeste torcia o nariz augurando problemas; o padrinho, espetada a barriga, enchido o peito, naquele gesto doutoral de polegares na cava do colete arrenegava: -Nã se preocupe menina, tem má caligrafia? Vai ver que temos aqui um médico. (!!!!) Acho que o padrinho estava longe de imaginar que um dia, doutamente, João Vieira Pinto daria uma grande lição quando proclamou bem alto pá nação e pó mundo :

Prognósticos, só no fim do jogo.

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14 Triste sina Nao saber.wma - Xaile

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Não te vás embora
Que o dia não raiou
Será que a minha mágoa vai voltar quando amanheça.

Ai o meu amanha tanto sonho por sonhar
Será, será que a noite se ocultou no teu olhar.

Não te vás embora
Não te vás ainda não
Que eu só quero ver dizer-te adeus
De madrugada.

Ai o meu Manel
Triste sina não saber
Que tu ao pé de mim sempre hás-de de ter o teu lugar.

Não te vás embora
Que o dia não raiou
Será que a minha magoa vai voltar quando amanheça
Ai o meu Manel tanto sonho por sonhar
Será, será que a noite se ocultou no teu olhar

4 comentários:

Maria Arvore disse...

O meu comentário é que gosto de ler as tuas histórias. :)

Erecteu disse...

Obrigado Maria :)

Elipse disse...

não te conheço a caligrafia mas serias sempre um mau médico porque o que tu tens é jeito para as letras.
Beijo letrado.

Erecteu disse...

Elipse, Letras muito miudinhas ;)
:))