quinta-feira, 26 de março de 2009

Não sei quanto tempo lutei, adormeci.

Se os primeiros meses, como se costuma dizer, foram meus, rapidamente a escola virou obra de Dante com os ditados, cópias e a tabuada. Todos os dias fugia à escola, não em corpo mas em espírito, o que me valeu ser considerado como o primeiro ser a chegar à Lua batendo todos os recordes de permanência e de idas e vindas.
Resumidamente: Nos ditados, feitos normalmente a lápis, aos erros expressos somavam as faltas de palavras e não raro de linhas. Encetei uma luta tremenda com o tinteiro e a caneta de aparo que estavam necessariamente conluiados contra mim e, no mínimo, embruxados. Mesmo quando dava o meu melhor, fazendo aplicadamente uma cópia, língua de fora, no final um borrão saltava para o caderno para escorregar página abaixo. A tabuada não foi, também o meu forte, aprendi a dos dois quando já a maioria ia na dos sete. Não fosse a ribeira em época de cheia não me passar dos joelhos e certamente tinha-me jogado a ela, acho que só não o fiz por tanto gostar dos recreios e das brincadeiras.
O final do ano aproximava-se com a ameaça de não passar de classe, por essa altura, fui desenvolvendo o sindroma dos Domingos; após o almoço um nó apoderava-se da minha barriga e depois ia subindo para o peito – eram os TPC por fazer.

Quinze dias antes de acabar a escola, deu-se algo de inesperado. O Cabo Tobias foi descoberto por um pastor na capela da N. Sra. das Pazes, sem dar acordo de si. Começaram os rumores de que pela madrugada o cabo deu com uma reunião de comunistas na alpendrada da capela e que mê pai fora o agressor. Que eu saiba, o meu pai nunca se meteu em politica, quanto a ser comunista… a única obra que deve ter lido foi a Cartilha Maternal de João de Deus, Karl Marx e o Capital, nã me cheira que conhecesse; agora o que toda a gente sabe é que o Cabo Tobias implicava com ele e ele não se fazia rogado de sonsamente lhe moer a cabeça com piadas inocentes.
Uma semana depois meu pai desapareceu. Minha mãe dizia-me que ele tinha arranjado um trabalho no amanho de um telhado da Herdade do Facho, meia légua para lá da Aldeia Nova de S. Bento, coisa para uma semana. Passaram duas e três, já férias a dentro via a manhã morrer diante do caderno de linhas fazendo cópias e do de quadrados fazendo contas de multiplicar e subtrair; era o resultado das negociações da soussora com o padrinho, afinal passaporte para a 2ª classe.
Por alturas da décima cópia e de meia dúzia de contas de multiplicar deu-se um reboliço na quinta. Minha mãe começou a emalar lençóis e cobertores num velho e enorme baú de folha trazido do sótão do Dr. Alexandre. No dia seguinte apareceu em casa com duas malas de viagem, numa cabia eu, à vontade, na outra não tenho a certeza porque quando estava a fazer o ensaio, não fora a minha destreza tinha averbado mais uma nalgada. À porta do quarto vi emalar o resto do enxoval. Por fim na oficina de meu pai as ferramentas que couberam foram enfiadas numa arca de madeira. A minha curiosidade era enorme, a excitação apoderava-se de mim e a irritação de minha mãe.
- Para que é que está a fazer as malas? Deixa-me era a invariável resposta.
Nessa noite, foi uma das raras vezes que jantámos na mesa do padrinho. O jantar decorreu em estranho silencio no fim do qual me levaram direito para a cama e contra o costume foi-me difícil adormecer.

-Anda, acorda. Mas era o acordas. Senti enfiarem-me um casaco por cima do pijama e carregarem-me ao colo, depois dei por mim no carro do Dr. Alexandre que vencia a estrada de terra, faróis rompendo a escuridão, iluminando o céu estrelado a cada solavanco.

Ao passar a Ponte de Ferro em Serpa perguntei:
-Onde vamos?
-Dorme.

Não sei quanto tempo lutei, adormeci.
.
Ó Entrudo, ó Entrudo
Ó Entrudo Chocalheiro
Que não deixas assentar
As mocinhas ao soalheiro

Eu quero ir para o monte
Eu quero ir para o monte
Que no monte é que eu estou bem
Que no monte é que eu estou bem

Eu quero ir para o monte
Eu quero ir para o monte
Onde não veja ninguém
Que no monte é que eu estou bem

Estas casas são caiadas
Estas casas são caiadas
Quem seria a caiadeira
Quem seria a caiadeira

Foi o noivo mais a noiva
Foi o noivo mais a noiva
Com um ramo de laranjeira
Quem seria a caiadeira

Eu quero ir para o monte
Eu quero ir para o monte
Que no monte é que eu estou bem
Que no monte é que eu estou bem

2 comentários:

Maria Arvore disse...

Mais valia dormir que a luta certamente estaria para vir. :)

Fausta Paixão disse...

ui o que aí vem!!!