quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Barrocas III


Menina escorraçada é pior que gaivota em terra.

Olho seco viu-os afastarem-se com a jura quebrada. Por uns momentos sentiu prazer em ver o coxear de Alfredo mas a recordação do seu braço sobre os seus ombros enquanto partilhavam a leitura do Kit Carson, fê-la sentir miserável. Eles afastando-se e ela mais miserável, sem saber se era do abandono se era do raio do braço.
Decidiu-se; apanhou as saias e torneou em corrida o campo da bola, não ligou ao –Xi minina, onde vais a corêr’assim? – lançado por Dona Mariquinhas, quando lhe atravessou o quintal ganhando vantagem quer na distancia, quer à perna marota de Alfredo; continuou a corrida desenfreada e só abrandou o paço quando avistou a estrada do Cacuaco. Dissimulou-se entre os montes de entulho e algum lixo e dispôs-se a esperar; um olho na orla de cubatas do outro lado da estrada, outro nos degraus ciclópicos que supostamente deveriam atenuar os efeitos das próximas chuvadas, -mais tarde se veriam os resultados de tamanha engenharia.
Para além dos degraus os morros estendiam-se em barrocas esculpidas pela água, qual paisagem lunar, para por fim se espraiarem num extenso mar de areia que morria aos pés do porto.
Lá de cima sentia-se no céu contemplando as cicatrizes rompidas na terra vermelha como de carne se tratasse, nas veredas que se perdiam morro abaixo perdiam-se os pensamentos; em cada uma revivia as histórias contadas pelos seus heróis em tardes mornas, às quais acrescentarei o devido ponto, neste conto. O ritual sagrado era marcado pela permanente lata de gasóleo fervendo no meio da fogueira, pelas folhas de jornal enroladas a preceito, ou cigarros, cuidadosamente furtados ao Sr. Silva, circulando de mão em mão. Cada troféu submetido à mira certeira das fisgas ou de chumbos, merecia uma descrição pormenorizada sobre o avistamento quase sempre longínquo, a aproximação pacientemente furtiva, o visar frio, o impacto certeiro, a trajectória da queda, e finalmente a recolha da peça onde Pirolito assumia recorrentemente um papel relevante.
A tocaia estava montada, os manos tardavam a aparecer.


Monangambé - Rui Mingas

5 comentários:

Maria Arvore disse...

Já te disse que escreves muito bem? :)
(desculpa que hoje estou sem cabeça para te dizer algo de jeito)

robina disse...

Afinal, ficamos sem saber o que tinha ela em mente...

(Há sempre um Silva em todo o lado :-)))

Erecteu disse...

Maria,és sempre uma catitinha :)
E para que queremos nós a cabeça (:)? Dê-se uso ao corpo e prego a fundo ;)
Bjs

Erecteu disse...

Robina,
Para já não se ficou, né?

Bartolomeu disse...

Rui Mingas foi meu treinador de atletismo no Belenenses. durante 3 ou 4 escassos mezes.
Lembro-me bem, "fazia" as garinas com uma pose inigualável, chegava sempre com a sua pastinha marota na mão e o passo de quem vai às uvas mas não leva pressa. Punha-me a correr pela mata de monsanto fora e quando voltava à pista do estádio continuava a correr, quando dava por mim já não estava ninguem na pista, tão pouco o treinador.
Então professor, ontem fiquei aí a correr sózinho...
Ah... áinda estavas à correr?!
Mas a minha especialidade era fundo, portanto, só tinha mesmo era de correr.