sexta-feira, 23 de março de 2007

Cá o rapaz é assim II




… enquanto ajeitava o lenço no pescoço assobiando.

Passou pelo elevador com a porta rebentada mas compensado com as múltiplas grafitagens. Pensou lá para com ele – os chavalecos não podem ir longe, só pá veia é o que é – desceu os lances de escada evitando pisar o lixo acumulado que aumentava à medida que descia. Ao sair do prédio sacou dos persol, levou a mão ao bolso e verificou o dinheiro; apartou a nota de vinte que conquistara na véspera colocando-a no bolsito que o sinto protegia, e o resto – doze oiritos – enfiou-os no bolso de trás, que à peida ninguém lhe ia.

Atalhou direito à paragem e acelerou o passo para apanhar o autocarro; esticou a mão ainda de costas, e deu uma pequena corrida, a porta abriu-se olhou para o condutor e decidiu mandá-lo seguir com um desculpe. Foi até à pastelaria que ficava do outro lado, esperou calmamente pela atenção da empregada que esfregava o tampo de inox, quando ela se resolveu a um olhar de soslaio, empurrou com um dedo os óculos para a testa e sussurrou:
-Uma bica, baby.
A tal de baby, sacou por sua vez do sorriso monalisa, e perguntou-lhe, -Como? Ao que ele mirando-lhe o decote respondeu –Hum… cheiinha baby, cheiinha, e levou a mão ao bolso de trás. –Pag’á casa. Arqueou as sobrancelhas e a baby continuou, -É pela ajuda que deu com o desatino do outro dia. – Há, isso! São uns putos porreiros, não a chateiam mais, obrigado.
Pegou na bica e foi até uma mesa junto à janela para gozar o sol, pelo caminho arrebanhou os jornais do dia anterior; decidiu-se pelo Correio da Manhã para ver como paravam as modas, pois ouvira que tinha havido cegada no bairro ao lado. Beberricando e folheando acabou por desistir, não deu por qualquer notícia que se referisse à zona. Acendeu um cigarro e ignorou os movimentos da empregada que continuava a esfregadela na ponta do balcão mais próxima dele. Calculou o tempo decidindo que era melhor ir andando, ao sair levou mudo dois dedos em direcção a um possível chapéu e lá foi com o sentimento que tinha deixado um qualquer rasto atrás de si.

Não esperou muito na paragem, o autocarro parou sem ser preciso fazer sinal, cumprimentou o motorista ao entrar, passou pelo obliterador sem se deter e dirigiu-se para a porta de trás. Ao olhar que o condutor lhe deitou pelo espelho respondeu com um discreto acenar de mão que foi retribuído com um acenar de cabeça.


modelo do rapaz

em traje domingueiro

A viagem prosseguiu parando aqui e ali para troca de passageiros que se iam avolumando. Na avenida, em frente ao centro comercial o autocarro abrandou abrindo a porta pelo justo momento de ele saltar. Fê-lo com a elegância estudada, e assim foram às suas vidas.

A caminho do Centro Comercial foi programando a estratégia. Quase onze horas, ao passar pelo segurança decidiu começar por bater as professorinhas na livraria da Fnac. O sucesso era remoto mas o dia era longo e se alguma caísse sempre juntava o útil ao agradável.

in Astronomy Pictures


Vou falar-vos dum curioso personagem: Jeremias, o fora-da-lei
Descendente por linhas travessas do famigerado Zé do Telhado
Jeremias dedicou-se desde tenra idade ao fabrico da bomba caseira
Cuja eloquência sempre o deixou maravilhado
Para Jeremias nada se assemelha á magia da dinamite
A não ser talvez o rugir apaixonado das mais profundas entranhas da terra
Só quando as fachadas dos edificios públicos explodirem numa gargalhada
Será realmente pública a lei que as leis encerram
Há quem veja em Jeremias apenas mais uma vitima da sociedade
Muito embora ele tenha a esse respeito uma opinião bem particular
É que enquanto o criminoso tem uma certa tendência natural p'ra ser vitimado
Jeremias nunca encontrou razões p'ra se culpar
Porque nunca foi a ambição nem a vingança que o levou a desprezar a lei
E jamais lhe passou pela cabeça tentar alterar a constituição
Como um poeta ele desarranja o pesadelo p'ra lá dos limites legais
Foragido por amor ao que é belo e por vocação
Jeremias gosta do guarda roupa negro e dos mitos do fora-da-lei
Gosta do calor da aguardente e de se seguir remando contra a maré
Gosta da forma como os homens respeitáveis se engasgam quando falam dele
E da forma como as mulheres murmuram: o fora-da-lei
Gosta de tesouros e mapas sobretudo daqueles que o tempo mais mal tratou
Gosta de brincar com o destino e nem o próprio inferno o apavora
Não estando disposto a esperar que a humanidade venha alguma vez a ser melhor
Jeremias escolheu o seu lugar do lado de fora

13 comentários:

psique disse...

Tu acertas em todas... o texto magnifico.

Fausta Paixão disse...

um fora da lei a "bater as professorinhas"... eheheheh... há qualquer coisa de familiar nisto mas não percebo o quê!

olha, ontem um miúdo lá da minha escola mandou uma professora para o caralho!Raispart'á professora... em vez de ir ficou para ali a chorar na sala!

Se fosse comigop ía logo!

Erecteu disse...

Psique,
Isso queria eu :)
Acerto quando faço pontaria e o alvo não se mexe :) ou se mexe direito ao tiro :)

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Fausta,
Arrancaste-me a gargalhada do mês :) :) :)
Contigo por perto a vida é outra loisa.
Descompõe-te filha que eu já lá vou espreitar, tá?
Beijos

Maria Arvore disse...

Este pintas está pintado com rigor e muito humor.

Nada como viver de expedientes.

rui disse...

Olá Erecteu

Mais uma soberba descrição de um bom malandro :))

Está um espectaculo!

Grande abraço

Carla disse...

gostei de ler.
Vim deixar um beijo com o desejo de um bom fim de semana.

vague disse...

um personagem, possivelmente verdadeiro algures :)

Maria disse...

Ai, Erecteu... só tu...

bom sábado

beijinhos da tua bolachinha

Erecteu disse...

Marienka
O(s) pintas têm disso nunca se sabe por onde lhes pegar, ou perderiam a pinta.

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Rui,
Muito melhor é o que se vê das tuas janelas.

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Nadir,
Vou lá levar-te um dos meus, embora nã tão saborosaos ;)

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Vague,
Este é dos mais autênticos, tem selo de garantia certificado pela PJ, se necessário.

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Bolachinha,
Fico feliz por saber-te com um pé em terra e outro na água.
Goza o teu fim de semana e aperta com ele.
Beijos de saudades

david santos disse...

Olá!
Venho felicitar-te pelo teu trabalho e desejar-te um bom fim-de-semana

Nanny disse...

Este môço, assim embalado ao som do Jorge Palma, até parecia que me passava à frente dos olhos, ali prós lados do colombo que não é cristóvão... ainda bem que não sou professorinha, nem frequento a fnac... hihihi

Beijoca da gata

Teresa disse...

Gostei do que li, hei-de voltar mais vezes, mesmo não tendo sido convidada.

Vejo que por este cantinho também há problemas com o Goear. Quando será que aqueles anormais acabam com a reparação? A trabalheira que eu tive para arranjar outro site para alojar a MINHA música!

Um beijo.

Erecteu disse...

David,
Obrigado mas isto não é trabalho... é uma ganda trabalhêra que faço com dificuldade mas com gosto.
Dificuldade, para não deixar morrer o com-menta, com gosto pela meia, quase, dúzia de amigos que com ele arranjei, pelo que... é quase uma nexexidade :) que me deixa com a sensação de mal retribuir a atenção que mereço (?).
Fui lá desejar-te um Bom Fim-de-semana, e dei de novo com 300 e picos comentários.
Devias começar a assinar, -desculpa a piada se for de mau gosto – Golias Santos.

Um abraço.

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Nanny,
O rapaz é assim, predador de vintinhas e pacificador / salvador de onas :), como mais tarde se poderia ver se o Erecteu tivesse unhas de gata ;)
Beijinhos