sexta-feira, 30 de março de 2007

Cá o rapaz é assim IV





-Pagas-me um café?
Voltou-se e deu com um sorriso de olhos marcados por velhas e novas rugas, num rosto conhecido. Levantou-se de um salto ao reconhece-la, pelo sorriso retorcido meio terno meio trocista.
-Dina! Cum caneco!
Foi buscar um tamborete e fê-la sentar-se na mesa alta.
-Conta-me, fala-me de ti. Como resposta recebeu um poisar de mão no seu braço e um prolongado baixar de cabeça que revelou o despontar branco dos cabelos que espreitavam sob a última pintura.Com algum constrangimento afagou-lhe a mão e por fim ousou levantar-lha a cabeça que foi cedendo para revelar um olhar húmido e quente.
-E um café que tomas? Perguntou para quebrar o silêncio. Obteve um “carioca” cavo que lhe permitiu levantar-se. Do balcão observou-a: ar distante, queixo apoiado no polegar; achou-a mais magra, bela na sua tez morena, um moreno estranho que logo atribuiu à iluminação. Voltou para a mesa e colocou-lhe o café e um bolo de arroz á sua frente.
–Ainda te lembras! Disse agradecida.
-Dos teus gostos… muito mais do que julgas!
Dina atirou-se ao bolo com vontade mas não passou de meio, entregando-se ao beberricar do café.
O silêncio instalou-se de novo, Dina sem cerimónias serviu-se de um cigarro
-Não comes o resto? Disse levando a mão ao bolo. Como resposta viu, atónito, Dina levar a mão ao bolo e esfrangalha-lo e ao seu manifesto espanto dizer: -Pareceu-me estragado.
-Estragado, um bolo sem creme?
-Vamos dar uma volta por aí? Disse levantando-se e agarrando na mochila outrora preta.
Vamos, disse ele tirando-lha das mãos. Foram pelos corredores quase vazios e um pouco mais à frente detiveram-se na zona dos livros. Dina deambulando familiarmente pelos escaparates, ele seguindo-a a esmo. Dina aqui e acolá pegava, folheava e voltava a depositar livro após livro. Assim passaram de secção em secção, por fim Dina recolheu um “Corto Maltese” e refugiou-se num banco. Ele, por sua vez, sentou-se noutro ao lado e encostad
o a uma coluna observou-a. Dina ia lendo atenta sendo-lhe possível, de certa forma, acompanhar a história pela mudança de expressões de Dina; assim esteve deliciado até se aperceber que o livro ia descaindo sobre o magro peito enquanto Dina cerrava os olhos. Para ali ficou vendo-a, acabando por perceber, pelo suave movimento do livro, que adormecera. O seu tom de pele já não era o mesmo de outrora; apresentava-se mais amarelado, nada que uns dias de praia não corrigiriam, agora que o sol viera para ficar, pensou ele.

Focou a sua atenção na silhueta feminina que aparecera no extremo do corredor.
Elegante, bem arranjada, aproximava-se quase segura até se aperceber da sua presença. Sumiu-se por uma das secções reaparecendo pouco depois. Do limiar do corredor observou-o primeiro a ele e depois Dina; detectou-lhe uma reacção de desagrado ou reprovação enquanto caminhava na direcção deles. Ao passar por Dina olhou-a ostensivamente, parou mesmo, ficando a observa-la atentamente. Viu-a hesitar e sentar-se suavemente no extremo do banco onde Dina repousava. Dina abriu os olhos, sacudiu a cabeça, concentrou o olhar incrédula e, para seu espanto, viu as duas abraçarem-se. Assim ficaram por um momento, ao apartarem-se Dina tinha a mão livre tomada por umas mãos bem arranjadas. Irritou-o o riso em que as duas se envolveram, sentiu-se a mais, mais uma vez, levantou-se incomodado sem saber bem o que fazer, decidiu bater em retirada, mas não teve hipótese, Dina pressentiu a sua reacção, levantou-se dizendo alegremente:
-Guta, quero apresentar-te um velho amigo.
Aproximou-se, declinou o seu nome arrevesado, recebendo em troca uma mão, de costas para cima, meio morta, e um “encantada” que não correspondia, nada, nadinha, à sua expressão. Avaliou-lhe os anéis e afinfou-lhe com um aperto de mão que a fez fazer uma ligeira genuflexão, acompanhada de um risinho nervoso.
***
Garota de Ipanema

Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
é ela menina, que vem e que passa
Num doce balanço a caminho do mar

Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
é a coisa mais linda que já vi passar

Ai! Como estou tão sozinho
Ai! Como tudo é tão triste
Ai! A beleza que existe
A beleza que não é só minha
E também passa sozinha

Ai! Se ela soubesse que quando ela passa
O mundo interinho se enche de graça
E fica mais lindo por causa do amor
Só por causa do amor...

Vinicius de Moraes

20 comentários:

Maria disse...

"Avaliou-lhe os anéis e afinfou-lhe com um aperto de mão que a fez fazer uma ligeira genuflexão, acompanhada de um risinho nervoso."


Delicioso...


bom weekend fofo

DF disse...

Esta Dina... esta Dina... :)uhmmmm... E agora, onde vão, ela e a Guta?!...
Bjs

Nanny disse...

Este rapaz...

Adorooooo Corto Maltese!!!!

Vá! Oferece-me lá um café!

Beijoca Da Gata

Cris disse...

Fantástico, Nanny, só conheces gente bem disposta, eu até já estava a assobiar a garota de ipnamena.....

Er, gostei do sítio!!!!! Com menta, pff.

Bom fim de semana

Cris

psique disse...

lindo... como é bom vir aqui ouvir e ler-te ...
beijos

Maria Arvore disse...

Ai que o rapaz tem uma memória de elefante para as garotas. :)
Os tempos é que mudam as vontades das sua recordações. ;)

Nanny disse...

Cris

As gatas são muito selectivas... não se deixam seduzir assim sem mais nem menos!

Aqui este rapaz (tape lá os olhinhos se faz favor, ou ainda se baba todo!) tem muito que se lhe diga!!!

Volta e verás!

Erecteu
Agora já podes abrir os olhos... entã e esse mê caféi, com um balanito daqueles que tu sabis... :-)

Beijocas da gatucha

Erecteu disse...

Maria,
Gozas porque não foste tu que levaste com ele :)

Boas cantorias e não te fiques pelas igrejas, Bº Alto é qu'é.
Bfs, bjs.

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Di,
Ainda nã sei, juro, depende da conversa da madama com a Dina :)

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Nanny,
O Corto Maltese, pfu, nã sei o que tem ele para o mulherame lhe dar importância. O gajo deve ter pele áspera, cabelo crespo e até cheirar mal!

Café precedido de (em)balão ;) tu mandas, é só dizeres qual é a mesa. A do canto?

Bjs.

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Cris,
Olha que não, olha que não...
Bem disposto, talvez virtualmente, que de resto é um monco caído e trombas de elefante sem trevo.

Arriba que não há missão impossivel, oK?

Bjs.

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Psique,
Andas com uma bela produção, eu é que estou um canastrão.
Dá-lhe gás e bfs

Beijos

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Marie-baum
Não te deixes enganar pela aparência que o gajo é enxertado em boa cepa mas dá fruta azeda. Gajos como este só capados ;)

Beijões

recaditos disse...

Um coração partido tende sempre a recuperar a sua forma original.

António Melenas disse...

Já o disse noutro comentário. aprecio muito este estilo de escrita. Directo,nervoso objectivo. Que passará-se a seguir? (o passará-se é propositado) Essas duas manhosas são muito estrambólicas!
Então a Dina esfarela o bolo, convida o gajo pra dar uma volta e fica calada a ler o Corto maltese?. Na bate bem da bola, tou a ver
Um abraço

psique disse...

obrigada pelo elogio... mas eu gosto muito ..

Rafeiro Perfumado disse...

Só não gostei que a gaija tivesse esfrangalhado o bolo. Não comeu e não deixou comer!

Erecteu disse...

Recaditos,
Um coração volátil tende a ocupar todo o espaço :)

Não confunda ficção com realidade, Erecteu é um pantomimeiro indomável.

Volte sempre

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Melenas,
Esta narrativa episódica não tem rumo certo, vai definindo o perfil dos personagens à medida que avança, descontroladamente. Pretensiosamente alguns pormenores poderão ser ancora de qualquer coisa, se para tanto houvesse engenho...
Um abraço, até lá.

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Raf,
:) há as que não comem nem deixam ser comidas.
Umas boas férias, leva um abraço meu.

Nanny disse...

Vim só trazer um babete 5.8 para o rapaz...

Beijoca da gata

Nanny disse...

Não é por nada, mas não gostava de ver isto com 13 comentários... da-me vontade de cá ficar... hihihi

:-)))

Lara disse...

Tu es um verdadeiro contador de historias... sejam de que estilo fôr!

beijokas

b.

Carla disse...

....oooO
....(....)... Oooo
.....)../. ...(....)
....(_/.......)../
..............(_/
....oooO
....(....)... Oooo
.....)../. ...(....)
....(_/.......)../
..............(_/
...... Passei por aqui
......... E desejo
......... Uma boa Semana
BEIJOS

Elipse disse...

pintaste-a doente. fica-se com pena dela, apesar da prsença da outra. é real esta ficção.

Lara disse...

pagas-me uma café? ;)

kiss

bad

António Melenas disse...

Nada de novo?
Aproveito para ouvir a garota de Ipanema e desejar-te uma boa Páscoa
Um abraço