segunda-feira, 10 de março de 2008

A terra

Voltei sem muito entusiasmo à terra que me pariu, não me puxava para aí a ideia, parecia que as adivinhava. À primeira impressão estava tudo conforme a deixara: ruas vazias, o mesmo canito de rabo entre as pernas, lombo arqueado e olhando sobre a espádua, atravessava em diagonal um cruzamento frente à viatura da guarda em velocidade e faróis mínimos; eram dez e meia mal dadas, e o camião de rações que me dera boleia, seguiu após a eloquente despedida a condizer com a eloquência da viagem. Do motorista ficará a memória da destreza com que manipulava o palito entre os dentes.
Dei a volta à tranca de madeira, aliviei a porta dos gonzos sem evitar que roçasse o chão; fiquei parado por momentos e entrei tranquilo ao ouvir o ronco do velho; a dois passos o bafo a vinho garantiu-me que só na manhã seguinte teria de responder às perguntas que ele não faria. Enrolei-me nos fios que restavam do cobertor enrodilhado ao pé da cama e deitei-me na ponta que não estava manca, amanhã se não a consertar dou-lhe a volta, pensei e assim me fiquei.

Via o palito a bailar estranhamente na minha boca, cuspia-o e o teimoso voltava, abri um olho e dei com o rabo do rebaptizado Plantão que Platão não vingara. Nem foi preciso enxota-lo, foi-se dando ao cu.
O cheiro a café de saco indicava que o velho já se pusera a pé, soergui-me e não me admirei de o não ver, espreitei pelo postigo e o quintal vazio e a porta da cagadeira aberta davam para concluir que abalara. Uma xícara de café e um canto de pão com linguiça depois, fiz-me à vila, desculpem, à cidade pois atão!
Rumei ao café do Eusébio desviando caminho pela tasca do Cebola. Lá estava o velho a três quartos no balcão enfiado no capote. Um olhar para mim, outro pó Cebola, um trejeito de cabeça e lá tinha eu que me haver com um copo de três. Pronto, estava de volta, pó velho nem sequer chegara a abalar.

Pousei os braços no balcão, olhei-o. O velho está porreiro: a mesma barba por fazer, a mesma boca teimosa, os olhos, os olhos... um pouco mais pequenos, talvez.

4 comentários:

Hipatia disse...

É tão bom ver-te de volta, carago! E cheiiiinho de força ;-)

Erecteu disse...

Discordo. Força tem quem se mantem não quem se pira. Se alguma aflorou foi por culpa dos 100 MIL que me deram ganas.
Um beijo grande, vou ver se tenho forças para ir até aí.

Maria Arvore disse...

Erecteu,
ainda bem que voltaste! :)) E com os músculos literários todos no sítio. ;)
Voltar pode ser porreiro! :)Toma lá um grande beijo! :)

(e se algo semelhante ao 1º de Maio de 74 te impeliu a voltar, melhor ainda!)

Erecteu disse...

Foi um "pouco" isso, a emoção prevaleceu à razão. Bjs