sexta-feira, 6 de abril de 2007

Cá o rapaz é assim V






A conversa não era para ele e dali não levava nada, mas jogo para situações destas tinha ele de sobra.
-Vou dar uma volta, já nos vemos por aí.
Era bom não era? Qual quê!
-Desculpe o nosso entusiasmo, mas não nos víamos há… Vai para seis anos, não é Dina?
-Mais ou menos, sim, seis ou sete.
-Esperamos aqui por si, depois podíamos ir almoçar juntos.
Não fosse a Dina e bem podia a “madama” esperar, e quanto ao almoçar já não lhe restava mais que nove euros e o tabaco a chegar ao fim.
-Eu não almoço, disse Dina.
-E eu desculpem, tenho qu’ir à casa de banho, rematou como um cheque-mate.
-Então… é meio dia e meio, encontramo-nos ali no hall à uma. Assim mesmo. Disse, aprovou e promulgou, sem consulta prévia, estava publicado, acrescentando: -São meus convidados.
Olhou para Dina, e pelo encolher de ombros e sorriso, convenceu-se que assim seria, pelo que se pôs a andar, decidido a não voltar, caso razões de ordem profissional o impedissem, mas o que é certo é que a crise a todos toca; bateu perfumarias e sapatarias resignando-se, pois o gagêdo como o peixe, dá quando dá, assim lhe ensinara o Tio João, com a infeliz coincidência de tanto não dar nada, como para de repente desatar a dar, não tendo um homem mãos a medir nem meio de conservar todo o bem que bem poderia apanhar.

Assim se perdia o rapaz em recordações. O tio João! Por onde andaria agora? Merda p’rá política, que acabara para os pôr chateados, quando até lá tinham sido unha com carne. O sacana que não tinha onde cair morto e havia de teimar em defender o dono da fábrica, para no fim levar um grandessíssimo pontapé no cú. Acontecimentos destes levam a grandes zangas na vida, como foi o caso da cisão com o seu tio João, somente quinze anos mais velho, pessoa de quem muito gostava e a quem devia a primeira ida às putas. Gajo porreiro, não deixava de ser burro e naturalmente teimoso, pelo que cismava que à porta da missa é que era, e ele, já em processo avançado de auto determinação, clarividente, apontava para os portões das universidades. Mas não há cisão que não dê em coligação, esta é que é a verdade, como atesta o seu caso, mas eu conto: Quiz o acaso que, altas horas da noite, subindo ele o jardim de Entre-Campos visse um estranho acampamento armado no relvado da universidade, onde à volta de uma fogueira, pouco mais de uma dúzia de vultos, com cobertores pela cabeça, levavam até ele os ecos de conversa e risos,


Eu ouvi um passarinho
às quatro da madrugada,
Cantando lindas cantigas
à porta da sua amada.

Ao ouvir cantar tão bem
a sua amada chorou.
Às quatro da madrugada
o passarinho cantou.


foi o bastante para arrepiar caminho para melhor ver de perto e, na verdade vos digo, que em boa hora o fez pois em menos de um esfregar de olhos já estava de caneca de café na mão, embrulhado em cobertor que tinha que dar para dois, acrescentando ao repertório:

Alentejo quando canta,
vê quebrada a solidão;
traz a alma na garganta
e o sonho no coração.

Alentejo, terra rasa,
toda coberta de pão;
a sua espiga doirada
lembra mãos em oração.


Que insistisse o Tio João nas esperas à porta da igreja porque... bem, o resto não cabe nesta história que a ela me tenho de remeter disciplinadamente, sem me deixar arrastar pelos pensamentos do rapaz, esclarecendo contudo que o facto de o cobertor ser partilhado com uma pombinha chamada Dina, não é de todo despiciendo, ficando ainda registado que estavam lançadas as bases de uma futura coligação entre soldados e uma proeminente figura, quadro estreitamente ligado a um educador da classe operaria.

3 comentários:

DF disse...

"É por debaixo do pano" que nos encontramos, então... E depois?! Conta mais, vá lá... (entre 2 amêndoas, vai mais um capítulo)
Bjks

Maria disse...

Boa Páscoa, fofo ^-^

beijinhos

Nanny disse...

E estão lançadas a fundações de uma amizade, debaixo de um cobertor, em frente à Reitoria da Universidade... o rapaz e a sua Dina... deve ter sido dina...mite!

Fico a aguardar ;-)

Beijoca da gata