sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

Segunda marcar consulta

A reunião até tinha corrido bem. Bem entrados pela noite, desfeitos os equívocos, o Sr. Almirante desmanchou a pose tornando-se numa pessoa surpreendentemente afável, comunicativa e alegre.
Arrastando-me até á cervejaria Alemã, não lhe pude fugir e lá tive de o acompanhar em informal cerimónia. Do bife mal passado, às cervejas passando pelo semi-frio até ao café e a aguardente reserva, sustentados num puro, foram duas e meia longas horas de conversa agradável, com intermitências de prolongadas dissertações, que desculpo. À despedida convite para jantar numa breve oportunidade e lá fomos cada um para seu lado, aos respectivos carros. Tivesse ele melhor sorte que a minha. Jante bloqueada, uma e vinte e cinco da madrugada, sexta-feira que nem era treze! A salvação do destino, ali há mão descendo ao Cais de Sodré; passando pelo Irish Pub, um grupo alegre cavaqueava, e de dentro saíam em surdina folk sonds. Salvação não tivesse eu visto as luzes do último comboio a afastarem-se nesta noite, trigésima de Novembro, de dois mil e seis.

Noite fria resolvi entrar. Para ali fiquei até me perguntarem o que queria –Uma Guiness, por favor, entre praguejares pra dentro e o ouvir a música. Grupos alegres de habituais, poucos de ocasionais; uma quase gaiata, divertida, não dava descanso às amigas roubando-lhes as bebidas ou passando as mãos molhadas pela cara de uma, pelas coxas oferecidas pela mini, de outra. Os nossos olhos cruzaram-se e a pequena, para meu triunfo, sentindo-se observada, convenientemente os desviou para voltar desafiadora; ficámos num jogo de sisudo, desvirtuado por sorrisos irónicos. As canecas foram saindo, mais do lado delas que do meu até me convidarem a sentar. Quem és, o que fazes, correu a mesa. Universitária uma, ex as outras, todas em abertura de fim-de-semana que prometia; Já solidárias com a minha desgraça, implacáveis com os filhos da puta dos xuis, porque não havia o direito, cabrões. Sem ser tido ou achado sentenciaram levar-me a casa, destruindo impiedosamente desculpa ou argumento apresentados; nem mais nem menos, passavam primeiro pelo meu carro para sacar uma pasta e assim foi, mas; Carro… uma porra, já lá não estava! Três da manhã, hôi! No problem, sabiam para onde o tinham, de certeza absoluta, rebocado e que até lá me levavam. Forçado e reforçado por aquelas frescuras, lá fomos. A desalmada comigo no banco detrás, não parava quieta moendo as amigas e ainda mais a mim nos quentes e fortuitos contactos de pernas; gaita, nunca vi gaja tão sepidada e com tal diabo no corpo que já do meu se apossava. Tivesse ela mais uns anitos e, e… Bem, adiante: após o desembaraço da viatura, os agradecimentos e a proposta de troca de números de telemóveis para um posterior contacto, o borracho colado a meu lado. –Vou contigo. –Comigo onde? –Já vês, melodiosa e concisa. Foram-se as outras duas, envoltas em gargalhadas, acenando divertidas. Ficámos nós. Aparvalhado dei por ela a entrar no carro, puxar o banco todo para trás, traçar a perna fazendo subir ligeiramente a saia, enquanto acendia um cigarro e lançava um olhar transviado. Fechou a porta, ergueu o queixo, olhou em frente.

Arranquei atarantado, e sem jeito fiquei ao sentir o suave pousar da sua mão no meu braço. -Queres... -Ir a tua casa, interrogou ou sentenciou, não sei. Devemos ter subido a escada, mas só dei por mim já lá dentro, abraçado com o seu rosto refugiado no meu peito, cabelos enredando-se na barba que já despontava; a morna respiração no peito foi descendo pelo corpo e incendiando a cabeça. Abracei-a suavemente, por um momento ali ficámos até que a sua mão da minha se ia suavemente libertando partindo á descoberta da casa de banho. Fui para a sala, sentei-me, levantei-me quando ouvi a água correr, acendi um cigarro fazendo de cabeça contas à idade que a gaiata poderia ter; assustei-me ao pressenti-la a meu lado puxando-me para o quarto com a cama por fazer.

(Foto © João Freitas )

Foram tantos os abraços os beijos as carícias, tantas as mordidelas os arranhões o repuxar de cabelos as lambidelas, tantos os apertões as festas e mais beijos e mais, mais, e mais...
louco dei por apartar-se, deslizar para fora da cama, desaparecer em silêncio.

(Foto © João Freitas)

A água deixou de correr; no silêncio instalado da madrugada ouvi-a entrar na banheira, fui escutando o marulhar da água, irromper um suave e doce cântico celestial. Assim adormeci, sonhando que uma ninfa de mim se tinha assenhoreado, comigo tinha feito amor, uma e outra vez.
Acordei com o sol, precipitei-me para a casa de banho.
A banheira estava vazia,

o chão molhado deixava um rasto até à porta onde jazia uma rosa.

18 comentários:

Bino disse...

Ena pá... espectacularmente bem escrito este post. Mas o final, precisava de mais uns pormenores escaldantes pá. Era disso que eu estava à espera. Mas ainda assim... muito bem escrito.

Erecteu disse...

Obrigado mestre Binoc, isso queria eu mas a ninfa não deu hipotese.
Se a voltasse a apanhar levava tantas...
Um abração.

Fausta Paixão disse...

pormenores escaldantes só viriam estragar.
estiveste na medida certa. digo eu, que não vi nada, só li desejos...
e gostei (de ler)

rui disse...

Erecteu, meu amigo

Uma pessoa não pode ter o azar de o seu carro ficar bloqueado e, para maior desdita ter que suportar as agressões impiedosas de autêntico assédio por parte de umas coisinhas fofinhas, apetitosas, que nos fazem sentir assim como o pai natal, em noite de consoada e, ….bom isso é outra história. O que eu queria dizer é que estou solidário contigo. É o mínimo que posso dizer depois do mau bocado que passaste.
Heehhhehhheh….;)

Um abraço

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

gostei muito deste texto, quase cinematográfico. e a Fausta tem razão. o que não disseste também soou bem.

mfc disse...

A nossa imaginação é formidável e a tua escrita empolga-nos porque nos faz sentir TUDO que te "aconteceu" naquela noite.

DF disse...

Eu já disse, e repito: pra quando, esse livro?! Lindo! :):):)

Filipe disse...

Sou também de boa opinião. 5 estrelas este post.

Joana disse...

Engracado, discordo da necessidade de "pormenores escaldantes" acho mais empolgante quando o E. opta por, descrevendo, dar a entender o que se passa. Aquela parte do "Foram tantos...", demasiado explicita... but then again, this is my humble opinion. Fora isso, post de grande qualidade - como sempre.

Jinhos.

Maria Arvore disse...

Caramba!:)
Vou tomar um banho de imersão e amanhã que é 2ª, já recomposta, comento a preceito.

Maria disse...

"Mudásti!" Cores novas, letra nova...

A história... Wow, sexy back ^-^

beijinhos de uma bolachinha que não consegue dormir

Lara disse...

Andava para cá passar há mais tempo... até porque sabia que tinha visto um cmentario teu no meu blog.. mas já não sabia em que post.loll

encontrei-o.
Gostei do teu blog... e gostei muito deste texto.
Agora tornei-me cliente.
obrigada pela tua visita.

beijo

Erecteu disse...

Brejeirando,
Lolita de bad não tens nada. Mean... talvez
Volta. Como costumo dizer, a chave está debaixo do tapete não precisas de bater.
Um good kiss p'á Bad

Maria Arvore disse...

De volta, continuo sem as palavras certas para descrever a emoção. Mas a tua escrita tocou todas as emoções do real ao surreal, da calma ao desespero, do erótico ao romântico.
Sabes que mais Erecteu?... Dedica-te à escrita!!! :)))

Abssinto disse...

hmmmm...escreveste tu? bem, é claro que escreveste senão tinha outro nome qualquer por baixo. Achei muito bom, visual. Faz mais;)

Abraço

Erecteu disse...

Humm! Tomo como elogio vindo de quem vem.
Humm! Faz sentido porque 2Segunda marcar consulta" foi escrito como forma de homenagem a alguns blogues que visito sistematcasmente e me merecem o melhor apreço, pela estética, temática e estruturação da narrativa. Procurei manter alguma coisa de pessoal.

Coíbo-me de referir os blogs a que aludi porque começo a descobrir que esta esfera não deixa de pertencer ao mudo real, para o bem e para o mal.

Um abração

Teresa Durães disse...

eu gostei. Porque haveria de precisar de mais pormenores?

Uma escrita escorrida.

boa tarde

Fresquinha disse...

Novo visual, vida nova ?

Faz tempo que não nos comunicamos. Não me lembro de ter havido algo que provocásse a quebra do nosso diálogo. Mas se te lembras, refresca-me a memória.

Beijo