quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Quinta Grande

...pés bailando dentro das galochas emprestadas, ia Nereu pisando as parras secas que teimavam em cair, molhadas porque a chuva teimava também. A parreira estendia-se em comprida latada armada em pilares de granito escassilhado, interrompida quase a meio por um confortável alargamento; de um lado o tanque recebia água da mina, ao meio uma enorme laje de pedra equilibrava-se num afloramento rochoso, mesa seria se esse uso lhe dessem, com ela embirrava Alfredo que achava só servir para estorvar; à direita outra latada desce suavemente para sul dividindo o pomar em dois e prolongando-se até à eira; para lá uma leira, língua de terra negra duns cem por uns trezentos passos bem medidos terminava num silvado a despontar no meio dos velhos salgueiros; é a estrema da quinta onde o ribeiro arrasta as ramadas na forte corrente. Diacho, com isto perdi-os que seguiram em frente direitos ao muro de pedra onde o casão das alfaias convive entre alpendres, palheiro e cercados; aí ficam os animais. Alfredo abre primeiro a cancela das cabritas que os olham lá do fundo do telheiro, indiferentes nas barrigas a encher, Nereu encarrega-se de as enxotar correndo para elas que de um salto partem cada uma para seu lado procurando a saída. Aí vão elas e Nereu, em perseguição até ao –Deix’ás bichas, vamos; foram até ao casão onde Alfredo se ocupou por um pouco a arrumar caixas de fruta, ferramentas e outros pequenos objectos, Nereu entretinha-se encavalitado no pequeno tractor, manobrando volante e mudanças numa ruidosa e misteriosa viagem recheada de perdigotos. Alfredo mirou as tesouras da poda, avaliou o tempo, abanando a cabeça acabou por decidir que hora de tratar do estômago era chegada.
Voltavam à adega e ao fundo avistaram Rosa que Gertrudes mandava dizer para irem prá cozinha. Ordens, ali, são ordens; lavadas as mãos trocado o calçado, Alfredo passou um pouco de água pelo cabelo enquanto inspeccionou Nereu. Na quente cozinha a mesa posta; esperava-os: pataniscas de bacalhau, arroz de feijão, grelos cozidos; Nereu teve direito a ovo estrelado em azeite.

Assim Gertrudes os salvava do pecado da carne naquela sexta-feira.
Na marmita enrolada em jornais, a chanfana de cabra velha ficava adiada.

11 comentários:

Maria disse...

Adoro chanfana :)
Adoro o puto.
E adoro-te a ti <3

Erecteu disse...

Obrigado doce Maria

rui disse...

Olá Erecteu!
Está o máximo! Hoje rebentaste com a escala!
Vamos às pataniscas com um bom vinho alentejano
Para amanhã eu volto, para me regalar com a chanfana de cabra, que deve estar a derreter na boca.
Um abração, amigo

Joana disse...

Erceteu,

Sublimou-se hoje.
..................................................................................................................................................................................................................Não sei bem que dizer... Olhe, acho que fico eu "mordida de inveja" (sic): também gostava de escrever assim!... um dia talvez, quando tiver dinheiro para me dar ao luxo de concretizar sonhos e viver numa quinta dessas. (Que fotos fenomenais!) ;)

Cá entre nos, literariamente, este seu post só me lembra o "A Cidade e as Serras"... O visualismo descritivo da comida então,... culpa da minha mãe, que passou a totalidade das refeições da minha infância a contar-mo... E olhe que o Eça havia de gostar de trocar umas ideias consigo, não lhe fica nada atrás... MESMO.

Jinhos.

P.S. Ainda bem que o descobri. Tenho que agradecer muito ao Rui.

Joana disse...

See?

Estava tão emocionada que escrevi mal o seu blogname. Peço desculpa, ERECTEU.
Os nomes são importantes.

Jinhos.

Maria Arvore disse...

Ai homem que tu teimas em escrever bem!!! :)
Esta frase "ruidosa e misteriosa viagem recheada de perdigotos" é um diploma emoldurado. :))

Agora não me deixes assim água na boca, a falar-me de pataniscas com arroz de feijão, ovos estrelados em azeite e chanfana, que daqui a pouco ainda me pifa o teclado com tanta baba caída. ;)

Maria Arvore disse...

Ah e esquecia-me de falar no delicioso final sobre aquele tempo em que não se comia carne às sextas, em que não te esqueceste de que eram as mulheres que salvavam os pecados do mundo ;)e que se enrolavam as panelas em jornais para conservar o calor.

Tu abres-nos os portões da propriedade para nos levares à gula. :))

Erecteu disse...

Chega uma pessoa do Forum e dá com isto.Não aguento esta "pandilha". Soubessem vocês o que me espremi para sacar estas vinte linhas e tinham era pena do pobre do Erecteu.

Rui, passa por cá, cá mesmo, fica prometido uma goluseima e o sofá para uma sesta. Não te esqueças de trazer a máquina, OK?

JJ, do nome não tinha dado por nada e vale o que vale: 0. Mas essa do Eça tem lá calma, tomara eu trocar ideias com quem saiba o que anda a fazer, fará com "Êçe".

Marie-Baum, para ti só tenho um beijinho comovido.

Resumindo deixam-me de papo cheio a tender para o convencido, coisa que não suporto.

rui disse...

Olá Erecteu

Epá!...vou entrar e me servir, isto aqui cheira tão bem e, eu estou cá com uma larica!
Hoje vou tirar a barriga da miséria, :))

Um abração

PS. Deixa-te de modéstias, toda a gente gosta e, está dito. Só tens é que continuar a nos brindar com o teu talento.

Joana disse...

Muito me conta, com que então O. (Isto agora é que vai ser...) Tem a certeza de que o Eça sabia o que andava a fazer? Ou, por outra,... tem a certeza, certezinha, de que não sabe o que anda a fazer, E., O.???

Anda a deixar-nos adictos, já não ao pátio, mas a todos os espacos "com menta"... pátios e quintas e só(não???) sabe o E. que mais...

Jinhos.

Erecteu disse...

Di, a correcção está feita.
Obrigado.
Beijinhos