sexta-feira, 20 de abril de 2007





Em 42 anos de “Estado Novo”, impôs-se um regime que foi do forte para o fraco, assente em representação corporativa, que se auto definia como integral.
Inspirado no exemplo de severidade, castidade e austeridade de um tio Botas, difuso ou oculto mas constantemente presente ladeando o crucifixo na mais modesta sala de aulas em remota escola de aldeia, repartição publica e muita casa de bons chefes de família, cedo se estruturou na ideia de que o pensar demais é perigoso e censurável.
Deus, Pátria e Autoridade e não só; Fado, Fátima e Futebol, foram elos de união de um Portugal uno, do Minho a Timor, orgulhosamente só, ao arrepio das moderneiras conceptuais de mascarada autodeterminação, dependente de imperiais ursos apreciadores de carne infantil pela fresquinha, como se dizia.

O Botas, Botinhas para os mais afectivos, entregou-se por inteiro à grei e em concordata mão dada com a celeste cerejeira. Sacrificando-se, prescindiu do fácil obedecer reservando para si o duro mandar, felizmente reconhecido em espontâneas manifestações, planeadas e organizadas criteriosamente, no mínimo três vezes ao ano: 28 de Maio, 10 de Junho e 1º de Dezembro, acontecimentos abrilhantados por uma legião de portugueses convictos e por: castrenses, bombeiros, ranchos folclóricos, alvos e atléticos ginastas, juventude portuguesa, comovente, cantando e rindo, compenetrada.
A vontade inquebrantável do Botas profusa e subtilmente apoiada no senil SNI, orquestrava uma imprensa controlada a lápis azul, pondo na ordem espertezas saloias de atrevidos e tresmalhados cronistas. Para os demais PIDE se refilares.
Foi assim por muitos e felizes anos não fora um incidente de percurso o ter estatelado no chão, por traição de uma fiel cadeira. Mas, os deuses põe e dispõe.

Uma primaveril época se anunciava com cativantes piscadelas de olho à esquerda e viragens à direita
Os ecos de Maio de 68 não tardaram a chegar a Coimbra onde o negar de estender de capas à passagem de Deus Thomaz são ecos que, ao que parece, não perduraram na memória colectiva. Assim a crise académica lá vai! Fica aqui a crise em imagens.


Mas não foi só, depois:
A 22 de Fevereiro de 1974 - É publicado o livro Portugal e o Futuro, do General António de Spínola, defendendo o fim da Guerra Colonial e a liberalização do regime.
14 de Março - O Governo demite os Generais Spínola e Costa Gomes dos cargos de Chefe e Vice-Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, alegando falta de comparência na cerimónia de solidariedade com o regime, levada a cabo pelos três ramos das Forças Armadas.
16 de Março - Tentativa de golpe militar contra o regime. Só o Regimento de Infantaria 5 das Caldas da Rainha marcha sobre Lisboa. O golpe falhou. São presos cerca de 200 militares.

Depois foi o que já sabem em reformas que não chegaram a reformar nada que o salvasse, o regime caiu gasto de velho, ao som de canções de protesto e de baionetas de cravos, beijos e abraços.

11 de Março
25 de Novembro
Gaveta com o Socialismo
Europa dos doze ou do quarteirão
O 25 de Abril, apresta-se.
Discursos de circunstância, disputas de lugares no palanque, musicas aqui e além promovidas por Municípios e colectividades, servirão de pano de fundo para a comemoração.

Pão, Paz , Saúde, Habitação

se calhar ainda ouvirão.

Mataram a utopia?

A utopia não se mata por muito que se esforcem.

10 comentários:

Hipatia disse...

Mas a utopia anda tristinha, quase sem espaço para medrar. E a memória, cada vez mais contaminada de supostas verdades sem link, não ajuda.

Gostei muito deste post, Erecteu :)

Maria Arvore disse...

Ai homem, que para matarem a utopia tinham de nos matar primeiro.
Agora que tudo é feito para a camuflar debaixo do déficit, da modernização e dos choques ditos tecnológicos, da difusão de floribelas e quejandos, parece-me inegável.

Enquanto houver gente como tu com memória, a fazer sínteses destas sobre o antes e o depois não acaba a utopia. :)

DF disse...

Mas que bem que ficou tudo assim tão bem contado! É que a coisa anda má, lá isso anda, moribunda mesmo, mas morta não, que não se deixa!

Maria disse...

A utopia é eterna ^-^

bom sábado meu fofo
beijinhos da tua bolachinha

Arauto da Ria disse...

Tudo tão sintético e arrumadinho, mas quanto baste para que os jovens possam imaginar o quanto custou a Liberdade.
Resta-nos a utopia, mas...o sonho está estilhaçar-se.
Bom fim de semana.

psique disse...

a utupia será mais uma razão dd nos mantermos vivos...
bom texto...
beijos

Mikas disse...

As coisas existem enquanto lhes dermos vida.

Nanny disse...

Que intervencionista te encontro hoje... faltou no fim a Educação (também fazia parte do slogan)

O descrédito instalou-se, sobretudo para aqueles que em determinados momentos acreditaram poder mudar o mundo!

Beijinho da gata
(em Maio é)

Filipe disse...

Este post dá-me vontade de lutar.

Elipse disse...

quando passam uns anos normalmente já não se sabe contar como foi. mas tu manténs a fidelidade e a lucidez de uma pessoa que não vive de utopias.
VIVA! VIVA!VIVA!