Este sol de Outono trouxe a à memória, coisa estranha, até porque nem era Outono mas sim fim do Inverno. Não sei por onde começar para vos falar da Augusta Maria, talvez dizer que a vejo debaixo para cima: pés enfiados numas socas, uma meia de lã subindo até meio da perna grossa, enquanto a outra se quedava no gémeo carnudo e de invejável pêlo, distinguia-se por uma aconchegada saia às coxas porque no demais era “igualinha” às colegas, camaradas como ela dizia. Não se distinguia pelo avental que, mais cor menos folho todas usavam; usavam também arrecadas esticando os lóbulos e carrapitos luzentes; até mesmo nas bochechas coradas pelo frio que certamente alguma sopa de cavalo cansado acentuava, se assemelhavam!
Imperava a boa disposição nas bancas do Mercado do Rato, ainda que não fosse daqueles dias em que a freguesia abundasse. Os gritos de uma ou de outra sobrepunham-se esganiçados sobre a algarviada constante, os de Augusta eram diferentes, troavam uma oitava acima. Ao fundo aparece uma figura aperaltada dando origem a troca de olhares e sorrisos cúmplices, Augusta advertiu a Rosinda: -Lá vem a Fiscala.
A “Fiscala” percorreu as bancas detendo-se em observações sagazes ao brilho dos olhos, chegando mesmo a pedir que abrissem o operculo para melhor ajuizar. Era um ritual mais que conhecido a que sujeitava os robalos e chernes para não raramente optar pelo chicharro ou cavala, que tão boa era cozida fresquinha, ou escalada e em dois dias de salmoira, recomendava a "Fiscala". Como sempre a "Fiscala" passava, nariz frio e de olhar em frente, sem se deter na banca de Augusta. O salto era compensado na banca de Rosinda, a conversa estendia-se emoldurada em simpatias de gestos, tom de voz meloso e sorrisos, mesmo debaixo do seu buço, virada a três quartos estratégicos.
Era assim desde o dia em que numa das suas inspecções ordinárias, negócio acertado e de embrulho na mão resolvera fazer uma última inspecção à pescada que Augusta atestara ser merecedora da mesa de Sua Magestade D. Carlos. Vendo-a franzir o sobrolho, ainda de nariz enfiado no embrulho, trovejou-lhe:
Imperava a boa disposição nas bancas do Mercado do Rato, ainda que não fosse daqueles dias em que a freguesia abundasse. Os gritos de uma ou de outra sobrepunham-se esganiçados sobre a algarviada constante, os de Augusta eram diferentes, troavam uma oitava acima. Ao fundo aparece uma figura aperaltada dando origem a troca de olhares e sorrisos cúmplices, Augusta advertiu a Rosinda: -Lá vem a Fiscala.
A “Fiscala” percorreu as bancas detendo-se em observações sagazes ao brilho dos olhos, chegando mesmo a pedir que abrissem o operculo para melhor ajuizar. Era um ritual mais que conhecido a que sujeitava os robalos e chernes para não raramente optar pelo chicharro ou cavala, que tão boa era cozida fresquinha, ou escalada e em dois dias de salmoira, recomendava a "Fiscala". Como sempre a "Fiscala" passava, nariz frio e de olhar em frente, sem se deter na banca de Augusta. O salto era compensado na banca de Rosinda, a conversa estendia-se emoldurada em simpatias de gestos, tom de voz meloso e sorrisos, mesmo debaixo do seu buço, virada a três quartos estratégicos.
Era assim desde o dia em que numa das suas inspecções ordinárias, negócio acertado e de embrulho na mão resolvera fazer uma última inspecção à pescada que Augusta atestara ser merecedora da mesa de Sua Magestade D. Carlos. Vendo-a franzir o sobrolho, ainda de nariz enfiado no embrulho, trovejou-lhe:
Querem lá ver que o peixe se cagou?
A Augusta Maria caiu-me na vida, ou melhor, caí-lhe eu na dela sem sabermos bem como.
Esperava-me no cais do Conde da Rocha ao sabor do movimento de corpos que se comprimiam, como a ondulação do cais de cá para lá. Vi a eu primeiro de fotografia na mão sobressaindo sobre as cabeças, era essa a senha. Nem me dei ao trabalho de levantar a minha pois ela olhava em toda a direcção menos na minha; de repente focou os olhos em mim e gritou: -Ai o meu rico menino!
Não percebi bem como mas passou para o outro lado das grades e ora me via encharcado em desconfortáveis beijos ora tinha o rosto mergulhado no meio de um agridoce par de mamas. Entre uma e outra coisa, agarrado pelos ombros, via o seu rosto abanando e as madeixas soltando-se.
Não me perguntem como foi mas vejo-a agora rindo com os que riam no seu sobe e desce a empurrar as malas para dentro de um eléctrico, tal como me vem à memória o badamerda que lançou para a finória que estava cheia de pressa. A etapa não foi longa, dela ficaram os solavancos e especialmente os sinos: um accionado por um fio de couro e por quem bem entendesse e o outro, demorei um pouco a descobrir, furiosamente manobrado pelo condutor, vulgo guarda-freio, à patada. A segunda etapa mais calma, sempre a subir, levou-nos só até meio da Calçada de S. Bento. Para ali fiquei sentado em cima das malas que era a melhor forma de tomar conta delas, até Augusta reaparecer seguida por duas vizinhas e de um rancho de miúdos e miúdas. Estávamos ainda longe da descoberta da pílula e de termómetros não me lembro de ver por ali.
Lá fomos, transposto um arco que era tudo menos de triunfo. Outro mundo se abriu, por caminhos que vagamente se assemelhavam a pavimentados, seguimos até ao 23, uma porta com postigo ao cimo de um bataréu ladeada à esquerda, por uma modesta janela e à direita por uma janeleca mais um óculo com pretensões a oval.
Lá dentro… lá dentro não interessa.Não me perguntem como foi mas vejo-a agora rindo com os que riam no seu sobe e desce a empurrar as malas para dentro de um eléctrico, tal como me vem à memória o badamerda que lançou para a finória que estava cheia de pressa. A etapa não foi longa, dela ficaram os solavancos e especialmente os sinos: um accionado por um fio de couro e por quem bem entendesse e o outro, demorei um pouco a descobrir, furiosamente manobrado pelo condutor, vulgo guarda-freio, à patada. A segunda etapa mais calma, sempre a subir, levou-nos só até meio da Calçada de S. Bento. Para ali fiquei sentado em cima das malas que era a melhor forma de tomar conta delas, até Augusta reaparecer seguida por duas vizinhas e de um rancho de miúdos e miúdas. Estávamos ainda longe da descoberta da pílula e de termómetros não me lembro de ver por ali.
Lá fomos, transposto um arco que era tudo menos de triunfo. Outro mundo se abriu, por caminhos que vagamente se assemelhavam a pavimentados, seguimos até ao 23, uma porta com postigo ao cimo de um bataréu ladeada à esquerda, por uma modesta janela e à direita por uma janeleca mais um óculo com pretensões a oval.
10 comentários:
Mais uma vez.... GRAAANDEE!!! :)
Olá Erecteu
Fascina e prende desde o primeiro momento!
Vigoroso, original e maravilhosamente bem escrito.
O apetite está aberto...e o que está lá dentro interessa..., pois, é o melhor...não podes ficar por aqui!
Grande abraço, Compadre
Erecteu,
quando pegas na Lapa popular e na Madragoa e nas suas pessoas com vida e garra, enredas-me nas tuas palavras de tal maneira que não quero chegar à última linha do post.
Ou direi que gosto do que escreves, porra! :)))
Gosto de te ler.
Beijinhos
Hoje deixo só um beijo e a promessa de voltar para te ler :D (tá curto... esta coisa do tempo... rais parta!)
Beijocas
Di,
Tu nã contas o amor à primeira vista torna-nos suspeitos em relação um ao outro :)
De qualquer forma um grande chocho.
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Compadre,
Não perdes pela demora.
Um abraço e obrigado pelo incentivo.
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Maria,
Muitos porras para ti também, deixas-me sempre pró húmido.
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Nadir,
Obrigado, já lá vou ver como vais.
Bjs.
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Nanny,
Sempre a dar neles, não é filha?
Vem-me à ideia o pouco que de Lisboa me ficou, mas que recordo...
e das colinas sai o povo insano
que grita em liberdade e desgarrada
e nessas modas toquem o profano
e dessas bocas cantem co´a guitarra
Parabéns... que bem que escreves!
Consultado o perfil
do ilustre visitante
que aqui veio gentil
revela-se decepcionante.
Não mostra onde ler
sua prosa ou rima
que me quer parecer
deveras interessante
ao que mostra ali acima.
Alcaide,
Com'é? Onde é que te escondes, abre lá as portas ao castelo, tá?
Um abraço
O castelo é de pedras e amor,de dias da minha vida e nele nada escondo. Apenas o defendo quase vazio, por ordem de El-Rei, depois de todos terem fugido e morrido e porque nunca me deram ordem para entregá-lo.E caem pelas ameias, as ilusões as paixões, os ideais e as palavras.E os que vieram, não querem mais que ouro, que não há.
E com palavras há bons e melhores alcaides. Mas não um castelo como este!
Não escrevo nem prosa nem poesia...Nem tenho blog. Componho palavras se comento...comento se gosto!
Um abraço
vim cá ler de novo. da primeira vez não percebi tudo, atrapalhada pelo torvelinho enleado do teu palavrear. mas doce.
és espantoso nas surpresas!
beijo-te.
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