Inspirado no exemplo de severidade, castidade e austeridade de um tio Botas, difuso ou oculto mas constantemente presente ladeando o crucifixo na mais modesta sala de aulas em remota escola de aldeia, repartição publica e muita casa de bons chefes de família, cedo se estruturou na ideia de que o pensar demais é perigoso e censurável.
Deus, Pátria e Autoridade e não só; Fado, Fátima e Futebol, foram elos de união de um Portugal uno, do Minho a Timor, orgulhosamente só, ao arrepio das moderneiras conceptuais de mascarada autodeterminação, dependente de imperiais ursos apreciadores de carne infantil pela fresquinha, como se dizia.
O Botas, Botinhas para os mais afectivos, entregou-se por inteiro à grei e em concordata mão dada com a celeste cerejeira. Sacrificando-se, prescindiu do fácil obedecer reservando para si o duro mandar, felizmente reconhecido em espontâneas manifestações, planeadas e organizadas criteriosamente, no mínimo três vezes ao ano: 28 de Maio, 10 de Junho e 1º de Dezembro, acontecimentos abrilhantados por uma legião de portugueses convictos e por: castrenses, bombeiros, ranchos folclóricos, alvos e atléticos ginastas, juventude portuguesa, comovente, cantando e rindo, compenetrada.
A vontade inquebrantável do Botas profusa e subtilmente apoiada no senil SNI, orquestrava uma imprensa controlada a lápis azul, pondo na ordem espertezas saloias de atrevidos e tresmalhados cronistas. Para os demais PIDE se refilares.
Foi assim por muitos e felizes anos não fora um incidente de percurso o ter estatelado no chão, por traição de uma fiel cadeira. Mas, os deuses põe e dispõe.
Uma primaveril época se anunciava com cativantes piscadelas de olho à esquerda e viragens à direita
Os ecos de Maio de 68 não tardaram a chegar a Coimbra onde o negar de estender de capas à passagem de Deus Thomaz são ecos que, ao que parece, não perduraram na memória colectiva. Assim a crise académica lá vai! Fica aqui a crise em imagens.
Mas não foi só, depois:
A 22 de Fevereiro de 1974 - É publicado o livro Portugal e o Futuro, do General António de Spínola, defendendo o fim da Guerra Colonial e a liberalização do regime.
14 de Março - O Governo demite os Generais Spínola e Costa Gomes dos cargos de Chefe e Vice-Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, alegando falta de comparência na cerimónia de solidariedade com o regime, levada a cabo pelos três ramos das Forças Armadas.
16 de Março - Tentativa de golpe militar contra o regime. Só o Regimento de Infantaria 5 das Caldas da Rainha marcha sobre Lisboa. O golpe falhou. São presos cerca de 200 militares.
Depois foi o que já sabem em reformas que não chegaram a reformar nada que o salvasse, o regime caiu gasto de velho, ao som de canções de protesto e de baionetas de cravos, beijos e abraços.
25 de Novembro
Gaveta com o Socialismo
Europa dos doze ou do quarteirão
O 25 de Abril, apresta-se.
Discursos de circunstância, disputas de lugares no palanque, musicas aqui e além promovidas por Municípios e colectividades, servirão de pano de fundo para a comemoração.
Pão, Paz , Saúde, Habitação
se calhar ainda ouvirão.
Mataram a utopia?
A utopia não se mata por muito que se esforcem.
10 comentários:
Mas a utopia anda tristinha, quase sem espaço para medrar. E a memória, cada vez mais contaminada de supostas verdades sem link, não ajuda.
Gostei muito deste post, Erecteu :)
Ai homem, que para matarem a utopia tinham de nos matar primeiro.
Agora que tudo é feito para a camuflar debaixo do déficit, da modernização e dos choques ditos tecnológicos, da difusão de floribelas e quejandos, parece-me inegável.
Enquanto houver gente como tu com memória, a fazer sínteses destas sobre o antes e o depois não acaba a utopia. :)
Mas que bem que ficou tudo assim tão bem contado! É que a coisa anda má, lá isso anda, moribunda mesmo, mas morta não, que não se deixa!
A utopia é eterna ^-^
bom sábado meu fofo
beijinhos da tua bolachinha
Tudo tão sintético e arrumadinho, mas quanto baste para que os jovens possam imaginar o quanto custou a Liberdade.
Resta-nos a utopia, mas...o sonho está estilhaçar-se.
Bom fim de semana.
a utupia será mais uma razão dd nos mantermos vivos...
bom texto...
beijos
As coisas existem enquanto lhes dermos vida.
Que intervencionista te encontro hoje... faltou no fim a Educação (também fazia parte do slogan)
O descrédito instalou-se, sobretudo para aqueles que em determinados momentos acreditaram poder mudar o mundo!
Beijinho da gata
(em Maio é)
Este post dá-me vontade de lutar.
quando passam uns anos normalmente já não se sabe contar como foi. mas tu manténs a fidelidade e a lucidez de uma pessoa que não vive de utopias.
VIVA! VIVA!VIVA!
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