segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Orçar

Já fomos muito bons marinheiros, aprendendo naufragando aqui e acolá, estudando e inventando aprendendo e ensinando, fizemo-nos aos mundo, enriquecemos e lamentavelmente empobrecemos, não por os recursos terem escasseado, mas porque à competente ciência naval não correspondeu uma competente governação política. O nosso Rei-Sol, D. João V, para sua glória, e nossa desgraça, deixou-nos o Convento-palácio de Mafra mais os seus carrilhões para conservar, num esforço que agora padecem muitas Blimundas e Sete-soís.

Depois com o advento da industrialização, os veleiros deram lugar aos vapores e paquetes. Foi um soltar de amarras e o proliferar de marinheiros. Para marinheiro passou a ser necessário saber fazer nós, fáceis de desfazer, soltar amarras, virar a proa a um destino e confiar que o São GPS (1) não falhe. Agora, marinheiros há muitos, mais do que as marés e tantos como os chapéus. Em cada jetski há um e em cada mota d’água dois ou três.

A navegação à vista de costa é, aparentemente, mais segura mas convém que não nos aproximemos demasiado pois ficamos mais sujeitos a percalços: golpes de mar; baixios ou rochedos submersos. Para passear serve, mas para quem tem um ponto de chegada longínquo, outro galo canta. Sabendo estimar a posição em que nos encontramos, em cada momento, há que manter o aparelho (2) afinado e se necessário, para vencer ventos contrários, bem saber bolinar (3) cerrando os dentes dispostos a fazer das tripas coração. Mas tal ainda não chega pois se em geometria a distancia mais curta entre dois pontos é uma recta, no mar o propósito não se alcança num só rumo, para lá chegar, mais rápida e seguramente, é preciso saber de ventos e correntes.
Orçar (4) não chega.

(1) GPS- Sistema de navegação por satélite
(2) Aparelho – conjunto de cabos, poleame e velame de um navio
(3) Bolinar – Navegar chegado ao vento, ou seja, próximo da direcção do vento.
(4) Orçar – Aproximar a proa da direcção do vento.
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terça-feira, 14 de outubro de 2008

A crise já vem de muita longe

O nosso imaginário reflecte a imagem de Padeiras de Aljubarrota e Marias da Fonte. As nossas heroínas projectam, nos filhos, pelo menos neste filho da mãe, criado ao vosso dispor, valores que se foram tornando em dogmas.

A minha rica padeirinha, corajosa, capaz de enfrentar à pazada sete valentes castelhanos, não tem a existência confirmada e, reza a lenda, era feia que nem um bode não lhe faltando profícuos folículos pilosos.

A Maria, da tal Fontarcada, personificou a luta do povo contra: o recrutamento militar; a obrigatoriedade do registo de propriedades para introdução da contribuição predial; a proibição de enterros em igrejas, por questões de saúde pública.
Os Cabrãolistas, vai de impor; os mais avessos ao progresso, principalmente nas zonas rurais de acentuado fanatismo religioso, e os sobreviventes pró-absolutistas, vai de aproveitar a cena.


O rastilho aceso no Minho, rapidamente incendiou as Beiras, Trás-os-Montes e a Estremadura. (…) “feita por homens de saco ao ombro e de foice roçadora na mão, para destruir fazendas, assassinar, incendiar a propriedade, roubar os habitantes das terras que percorrem e lançar fogo aos cartórios, reduzindo a cinzas os arquivos”. Tal ia a moenga, heim!


Moral da história: cuidado com os mitos (principalmente os feios), porque para mito basto eu, e a Padeirita, coitada, se estava a ser fodida pelos liberais, não se livrou de ser enrabada belos absolutistas, que senhores duma ganda peida, para ela se estavam cagando.


Bom já viram que liberais e "neon"-liberais, nã papo e absolutistas nêm chêrari. Atão, (perguntam vocemessês) por aí nã se papa nada?

Pronto, vá lá, confesso que por vezes, com ou sem laranja, pactuo absolutamente.


Maria da Fonte - Vitorino

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Mesmo sem convite

Nã sê dançar, nã sê cantar e canto, por vezes danço levado a reboque desta ou daquela.
...
Recolhi-me naquela sala vermelha fugindo de um luar que me sufocava, que roubava o brilho às estrelas para o entregar, cúmplice da humidade fria da noite, à pedra da calçada. Aqui prevalece a penumbra, as palavras ciciadas não adquirem significado, os gestos são lentos, aparentemente calmos; as mesas abandonadas fazem companhia aos instrumentos lá no canto, aquele cigarro esquecido, esvaindo-se, liberta o fumo que desaparece no ar, mas dele fica o doce cheiro.

Vou sorvendo a bebida que me aquece a alma fria à medida que me afasto no tempo, resistindo ao regresso do vermelho desta sala turbulenta aquecida no embalado movimento de corpos e olhos colados, na cadencia sincopada das notas libertadas de um piano e do acordeão que abraças em meneio do corpo e, resisto, à perseguição do teu olhar vergando o meu. Não é verdade que estejas diante de mim, que me tomes e me arrastes, me domes a compasso de um piano tocando só; como marioneta presa dos teus dedos, suspensa nos teus braços e do calor da tua respiração, perco-me. Quero esquecer, o que, mudamente, disseste com o arquear de sobrancelhas, e me apartares do teu copo, rodopiando; quero esquecer as promessas que fizeste com os lábios fechados, ao tomares-me de novo; quero esquecer a última nota do piano pairando no ar, o teu corpo sobre mim debruçado, tal como a melodia do teu rosto.
Soam acordes, para me despertarem, trazerem a esta sala vermelha, quase cheia; o piano ataca seguido de um violino, um par entrelaça-se, por um momento quietos, desafiam-se num olhar e partem sem acordeão.

Quase tudo te perdoo, mas o teres levado outra na tua última viagem de mota, não. Um dia esquecerei o teu rosto, até o teu cheiro, talvez.

Percanta que me amuraste
en lo mejor de mi vida,
dejándome el alma herida
y esplín en el corazón,
sabiendo que te quería,
que vos eras mi alegria
y mi sueño abrasador,
para mí ya no hay consuelo
y por eso me encurdelo
pa´olvidarme de tu amor

Cuando voy a mi cotorro
y lo veo desarreglado,
todo triste, abandonado,
me dan ganas de llorar;
me detengo largo rato
campaneando tu retrato
pa´poderme consolar.

Ya no hay en el bulín
aquellos lindos frasquitos
adornados con moñitos
todos del mismo color.
El espejo está empañado
y parece que ha llorado
por la ausencia de tu amor.

De noche, cuando me acuesto,
no puedo cerrar la puerta,
porque dejándola abierta
me hago la ilusión que volvés.
Siempre llevo bizcochitos
pa´tomar con matecitos
como si estuvieras vos,
y si vieras la catrera
cómo se pone cabrera
cuando no nos ve a los dos.

La guitarra en el ropero
todavía está colgada,
nadie en ella canta nada
ni hace sus cuerdas vibrar.
Y la lámpara del cuarto
también tu ausencia ha sentido
porque su luz no ha querido
mi noche triste alumbrar.

Mi Noche Triste - Francisco Canaro

domingo, 12 de outubro de 2008

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

João Silva IV

Deixo aqui o último testemunho que prefacia o Rocha Cheneider.
João Silva tem dois filhos que lhe sacaram os "defeitos", dedicou-se à agricultura e pecuária, lá para os lados da Cela, imagino que tivesse plantado árvores, e deixa-nos um belo livro. Nada disto seria necessário que tivesse feito para ser um grande homem, o caracter a isso o condenou, se nasceu com ele ou se ele o construiu, não sei nem me importa. A ele lhe devo também o, pouco, que tenho de bom.



«ISSO FAZ-ME LEMBRAR UMA HISTÓRIA...»

A memória mais antiga que temos dele é do som da sua voz, quando ainda lhe cabíamos no colo e ele nos embalava com os mistérios do mato, dos ani­mais, do mundo mágico do cinema, do teatro e da fotografia.
«Isso faz-me lembrar uma história...» Quantas vezes ao longo dos anos não ouvimos isto? Quantas vezes não bastava um pequeno pormenor, uma palavra, um vulto que passava, uma expressão escutada, uma música, uma fotografia, uma pintura, a referência a um livro ou autor, para que ele fosse por aí fora, desfiando memórias deliciosas de um tempo perdido.
A família, os amigos, todos sabem como qualquer detalhe serve para que mais um pedaço de uma vida cheia nos fosse desvendado.
«Isso faz-me lembrar uma história...» E lá ia ele, pelas ruas da Alfama dos anos 20 do século passado, pelos estúdios da Tobis da época áurea do cine­ma português, pela prisão dos Açores, por um recanto remoto da Angola dos anos 50.
Estivéssemos à mesa de jantar, numa tertúlia com amigos; estivesse ele no autocarro da Carris, apanhado anos a fio, manhãzinha cedo, a caminho da CGTR Tudo servia para nele despertar uma memória. E quem o ouvia sorria, na certeza de encontrar ali uma história política, um pormenor pitoresco, o descrever de um tipo humano, tantas vezes razões para se emocionar.
Vantagens dos cabelos brancos, dirão da facilidade com que desfiava memórias como quem respira. Vantagens de quem viveu uma vida cheia, dizemos nós. De quem lutou pela liberdade num tempo em que era palavra proibida, de quem privou com vultos maiores do cinema português, de quem palmilhou (a expressão é a correcta, foi mesmo palmo a palmo) aquele semi-continente selvagem e maravilhoso que é Angola.
Mas o João que nós conhecemos não é só o magnífico contador de estorias. É um pai atento e um avô dedicado. Firme na hora de nos fazer estudar e respeitar os compromissos. Pleno de energia quando nos levava a nadar, a jogar à bola ou a correr pela marginal. Cada um de nós tem as suas ideias e seguiu livremente o seu caminho. Mas todos, sem excepção, fomos beber ao que o João nos ensinou quando se tratava de respeitar o próximo, lutar por uma sociedade mais justa ou não perdermos nunca a capacidade de nos indignarmos perante uma injustiça.
Há uns poucos anos, quando as pernas deixaram de lhe responder com a rapidez que a cabeça pedia, decidiu-se. «Como é isso dos blogues?», pergun­tou, naquela curiosidade permanente de miúdo, com os olhinhos a brilhar. De então para cá, dezenas, centenas de histórias foram sendo postas a escrito. Sem outro critério que não fosse o ir pondo no papel (ou melhor, no ecrã) episódios que viveu. Ingénuos, uns, dolorosos outros, alegres, outros ainda. Mas episódios que dificilmente nos deixam indiferentes. Não é uma história do último século que aqui é posta a escrito. Longe disso. Mas são histórias, episódios, que ajudam a perceber aquilo que somos e de onde vimos.
«Isso faz-me lembrar uma história...»


A Família


Bolero de Ravel (adaptação para sete pianos) - A Eremine-A Rosado-F Neves- J Mota- L Filipe Sá-M Coelho-P Burmester

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Porque será?

No total, 42 pessoas, entre elas:

Charles Pasqua, 81 anos e ex-ministro do Interior,
Jean-Christophe Mitterrand (filho de François Mitterrand, antigo presidente francês),
Pierre Falcone, empresário de 54 anos, e
Arcadi Gaydamak, 61 anos, milionário israelita,
vão ser ouvidos pelo alegado envolvimento no caso.
e...


Luanda pede ao tribunal de Paris anulação do caso 'Angolagate'




O Que Será (À Flor Da Pele) - Various Artists - José Mário Branco, Canto Nono

Crises

Beatriz M. e Linda A.
Duas mulheres que têm tendência para saltar para o outro lado da vida.
Saltaram o muro de uma vida em liberdade e aos olhos implantados em cabeças escorreitas, com formatações perfeitas mas de vistas estreitas, ousam construir os seus próprios afectos que infectos aos vigilantes olhares que as rodeiam os vêem como impróprios, merecendo tal namoro tratamento digno de filhos de Montéquio e Capuleto, pelo que estão apartadas, despojadas de seus bens.
Está montada a trama para que entre Frei Lourenço. No elenco, entra a matar Fernando Namora que, espero, se a alguma der um elixir que iluda os carrascos, não se esqueça de contar à outra o final da tragédia de Romeu e Julieta.
Com tanta crise material, para quê a moral?


quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Peixes



Não alinho em determinismos mas às vezes ponho-me a pensar.

João Silva III

UMA JUSTA HOMENAGEM

A obra que agora lançamos representa uma justa homenagem da CGTP-IN, e dos colegas que com ele tiveram o privilégio de trabalhar, ao João Silva, repórter fotográfico desta Confederação entre 1979 e 2007.
O conjunto de textos que a compõem são o resultado de uma selecção de muitos outros que o João um dia deixou na CGTP-IN e alguns a que tivemos acesso através da sua família. A sua organização nos nove capítulos em que se encontra estruturada a obra é da nossa responsabilidade e procurou, so­bretudo, destacar a variedade e riqueza de experiências de que as respectivas histórias de vida são o testemunho.
O homem tem momentos sublimes de enamoramento, por uma pessoa, uma ocupação, pela vida. João Silva consegue transmitir esse enamoramen­to constante nas suas palavras, nos seus gestos, em cada expressão do seu rosto. E a força e vivacidade desses momentos são visíveis nas pessoas que o rodeiam e acarinham, reflectem-se na sua boa disposição, no sorriso, às vezes gargalhada, no semblante melancólico ou nostálgico, enfim, nas mais variadas emoções que as multifacetadas histórias do João conseguem des­poletar nos seus interlocutores.
E a natureza da escrita que caracteriza estes textos é, necessariamente, o reflexo dessa faceta de um sedutor contador de histórias. Trata-se, portanto, de uma escrita com a marca da oralidade que precedeu o seu registo, uma escrita escorreita, acessível, viva e que, à medida que nos conduz pelos mais diversos percursos, nos presenteia, nos recompensa, com os odores, o co­lorido, os sons de uma Alfama dos anos vinte e trinta, de uma África entre os anos cinquenta e setenta, com as peripécias nos bastidores do cinema português das décadas de trinta e quarenta do século passado e as afoitas
tentativas de fuga das prisões por onde passou, enfim, com o humor, a ironia e a sensibilidade que pontuam estes relatos e caracterizam o seu autor.
Uma última nota sobre o trabalho que queda por fazer quanto à preservação da memória daqueles camaradas que trabalharam na CGTP-IN e no Movimen­to Sindical Unitário, em geral, e aqueles que coordenaram a sua actividade ao longo destes anos de história. A edição deste livro representa para a CGTP-IN um importante compromisso face ao trabalho de preservação e valorização da sua memória. Entendemo-lo como uma espécie de "alavanca", recupe­rando a designação do jornal produzido pela CGTP-IN logo a partir de 1974 e para o qual também contribuiu, com o seu labor empenhado e incansável, o João Silva.
A todos quantos contribuíram para a concretização desta homenagem, sau­dando, em particular, a família do João, o nosso reconhecido agradecimento.


Fernando Gomes
Departamento de Cultura e Tempos Livres
CGTP-IN

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Sim, onde estão?

Interroga, hoje no DN, Mário Soares.
Porventura, nesta batida, estão na porta certa e na forma certa: quietos e vigilantemente pacientes. No momento certo visarão a sua presa com grande probabilidade de não falharem.
Não estamos onde estamos por acaso. Estamos aqui porque um projecto de construção de um estado social foi metido na gaveta por quem podia e mandava, e porque quem o deveria defender, não conseguiu erguê-lo. Uma economia de estado detentora da banca, da energia, dos transportes, dos seguros, da saúde e da educação entendeu por bem privatiza-los ou abri-los à iniciativa privada. Ainda bem que o fizeram porque as empresas estatais serviram mal e muito pior serviram os que dela faziam parte: dos porteiros aos presidentes das administrações. As razões de tão mal serviço são tantas que é melhor, por agora, não ir muito mais longe.
De Aeroporto, onde não sei, pecisamos; de TGV se precisarmos não será imediatamente fundamental, de uma quarta operador de telefones móveis não será necessário para regular o serviço e desregular a sua, actual, actividade concertada, mas está aí!!!
Tudo o que dê lucro, do lixo à água, está na mira tanto dos neo-liberais como da camorra. Em Portugal progredimos em movimento fortemente acelerado para entregar a exploração da água à iniciativa privada, a isto opõe-se um movimento baseado em estruturas afectas ou próximas do PCP, isso mesmo: Partido Comunista Português, papador de criancinhas ao pequeno almoço, o que dá logo para desconfiar e pôr de lado, né?
Bom, os ne-liberais, já a gente sabe onde estão e os socialistas?
Pique para aumentar

JOÃO SILVA, II

O COMUNICADOR

Tinha que ser. As fabulosas memórias e histórias de João Silva não se podiam perder.
Incluo-me entre aqueles que insistiram para que ele passasse a papel ou a outro suporte duradouro os divertidíssimos episódios por ele vividos ou presenciados e que, de viva voz, nos foi contando ao longos de anos de convivência e amizade, em almoços, encontros, viagens e, aqui que ninguém nos ouve, no próprio local de trabalho. Foram momentos de profundos prazer e aprendizagem.
De prazer, porque João Silva é dotado de um poder de comunicação que pede meças a muitos comunicadores encartados, com a vantagem de ser senhor de um humor fino e inteligente. Ouvi-lo é uma delícia, sempre. Onde ele está é uma festa.
Mas ao mesmo tempo sentimos estar perante um homem sério, de vas­ta cultura e duma mundividência fora do comum, demonstrando, em cada momento, que nada do que é humano lhe é estranho. A sua memória não vacila e, malgrado não ter frequentado academias nem elites intelectuais, impressionam o leque e o volume dos seus conhecimentos. Bento de Jesus Caraça, cujo funeral João Silva filmou e por via disso foi pela segunda vez parar aos calabouços da polícia política, teria sem dúvida rejubilado por encontrar nele os elementos fundamentais do que designava de cultura integral do indivíduo, isto é, uma cultura com sentido ético, que se adquire em contacto com o mundo e intervindo sempre no sentido de fazer desse mundo um lugar melhor, porque mais justo. Homens deste calibre não são, infelizmente, assim tão frequentes.
Estou convencido de que João Silva sempre entendeu ser esta a primeira condição para se sentir bem consigo próprio. O seu conceito de felicida­de passa por aqui. Esta tem sido a plataforma segura donde tem tomado balanço para novas aventuras e experiências, incluindo esta de, aos 90 anos, abalançar a escrever Rocha Chenaider. Eu fui testemunha do seu processo de elaboração. Primeiro, manuscreveu algumas histórias. Depois, convenceu-se de que a coisa poderia resultar melhor desde que passada a computador, e assim fez. Acrescentou-lhe novos títulos. Reorganizou-os e publicou-os no blogue que deu o nome ao livro. A isto chama-se ter capacidade, organização, força de vontade, criatividade e modernidade.
Para quem o conhece, nada disto é novidade. João Silva assume em tudo o que faz a atitude exigente, rigorosa e estrutural do artista, que sempre foi e continua a ser, como comprova este seu livro. No seu trabalho de repór­ter fotográfico na CGTP-IN, que me lembre, nunca falhou um serviço, e em todos eles conseguia um ou vários "bonecos" de se lhe tirar o chapéu. Nem que, para isso, tivesse de subir até quintos andares sem elevador ou trepar a candeeiros de iluminação das ruas e avenidas onde a CGTP-IN se manifestas­se. Punha neste trabalho o mesmo empenho e fervor que, sabemos, aplicou no seu labor cinematográfico com ilustres realizadores como Jorge Brum do Canto, Ettore Scola, entre muitos outros. Mas não se preocupava apenas em fazer bem, preocupava-se também com a qualidade do produto final e com a sua possível repercussão. Foi por isso que, por exemplo, desenvolveu uma autêntica cruzada para que se salvasse, através de microfilmagem, o espólio de imagem da confederação.
Pessoas destas engrandecem as organizações com que colaboram. Com Rocha Chenaider, autor e editor ficarão quites.

Hermínio Fernandes,
Ex-coordenador do Departamento
de Informação/CGTP-IN

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

JOÃO SILVA I

Porque o tempo urge e a promessa está feita fica um de vários testemunhos, que publicarei,
recolhidos do Livro Rocha Chenaider:

HOMEM DA LIBERDADE E DO SINDICALISMO



A entrada do João Silva na CGTP-IN, em Novembro de 1979, munido da sua inseparável "máquina de fazer bonecos", significou um sopro de vitalidade e cores novas no Alavanca, que emanavam da sua personalidade, do seu saber, da sua experiência de vida vivida.
Viril, nas suas 63 primaveras, João Silva, pela sua atitude e postura positivas perante a vida, pela capacidade de brincar falando sério e de seduzir, foi ensi¬nando a todos que com ele trabalhavam ou conviviam em espaço de trabalho, como se pode construir e guardar o "segredo" da juventude.
O João foi capaz de pegar no trabalho dos seus antecessores - que eram homens criativos e construtores do Alavanca como importante órgão de in¬formação sindical em contexto de revolução e de resistência à contra-revolu-ção - dignificou-o pela continuidade garantida, pela revitalização conseguida através das expressões novas, fruto do seu olhar específico sobre os seres humanos, as suas práticas e formas de agir.
A sua permanente jovialidade, a inquietude, a destreza na captação das melhores e mais expressivas imagens dos muitos acontecimentos da vida sindical, mas também, a sua preocupação em deixar a memória fotográfica desses momentos, de que foi construtor, foram fazendo dele uma referência insubstituível na vida da CGTP-IN.
Conhecendo, pelo que já havia vivido individual e colectivamente, o valor das causas dos trabalhadores, da liberdade e da democracia, abraçou o projecto sindical da CGTP-IN, identificou-se com toda a naturalidade nele, integrou-se no colectivo e nas suas formas de acção. Por isso foi vivendo com tanto inte-resse e sensibilidade cada manifestação, cada debate, plenário, conferência ou congresso, tornando-se participante obrigatório de todos eles.
No seu espaço de trabalho houve sempre algo para criar. Foi, de facto, o João Silva que deu um cunho organizativo mais estruturado ao arquivo foto¬gráfico da CGTP-IN, e é graças a esse seu trabalho que dispomos hoje de um repositório histórico de inestimável valor para a vida sindical.
Como repórter fotográfico com carteira profissional de jornalista, João Silva cobriu muitas centenas de acontecimentos sindicais num trabalho em que caldeava o sentido operário do dever profissional com uma apurada concep¬ção artística da fotografia, "vício" certamente alimentado pelas suas aventu¬ras de ser humano curioso, perante as mais diversas expressões de vida e de comportamentos e, também, pela sua experiência de assistente de imagem e profissional de múltiplas actividades na produção cinematográfica.
Ao meter mãos-à-obra para transportar para a escrita as suas fabulosas histórias, João Silva sossegou todos aqueles que, sendo seus privilegiados ouvintes, entendiam ser uma perda irreparável as suas narrativas não pode¬rem chegar a muito mais gente.
Maior surpresa é o facto de, nesta sempre difícil transposição do oral para o escrito, nada se ter perdido em termos da imagem do real e da vivacidade do discurso, o que revela mais uma qualidade do João que, até agora, estava escondida.
No percurso que vai das histórias de Lisboa aos olhares deliciosos sobre pedaços da vida africana de Angola e Moçambique, dos episódios pessoais às recordações da prisão, da tropa e do cinema, e ainda, na expressão do seu pensamento político, encontramos relatos reais que reflectem o amor à liber¬dade, a cultura e o sentido ético da vida que nos habituámos a reconhecer ao João Silva.
O 25 de Abril devolveu ao João Silva a Liberdade por que lutou de forma so¬lidária ao longo da sua vida. Conta ele que estava no Andulo, Angola, quando soube do que se passava então em Lisboa e diz-nos "Não chorara na véspera à noite, mas chorei naquela manhã".
Ao lermos as histórias do João sentimo-nos reconduzidos à situação de crianças deslumbradas, tal é a originalidade, o sentido de humor e, sobretu¬do, o afecto e o humanismo, que nelas perpassam.
João, todos nós, teus amigos e companheiros de tantas vivências no dia-a-dia do sindicalismo, das relações humanas, intervenção e luta social que ele significa, nos sentimos em dívida para contigo face aos ensinamentos imensos que nos vens oferecendo e vais continuar a oferecer. Havemos de ter a arte e o engenho necessários, a capacidade de dedicação às causas em que estamos, a alegria e confiança no futuro, suficientes para te irmos retribuindo.
Sabemos também que essa vai ser a atitude daqueles que te conhecerem, pela primeira vez, através da leitura deste teu belo livro.


Manuel Carvalho da Silva
Rocha Chenaider

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

JOÃO (ANTÓNIO) SILVA

Pique para aumentar
"Nasceu a 7 de Abril de 1916,em Lisboa, nos confins dopopular bairro lisboeta de Alfama.
Começou a trabalhar aos 12 anos, como escriturário. Aos 17 anos troca o escritório pelos estúdios de cinema da Tobis. A sua ligação à sétima arte manteve-se até aos 49 anos, com duas interrupções forçadas. A primeira deu-se logo em 1934, ano da sua admissão na Tóbis, tendo como causa directa a sua participação na Revolta do 18 de Janeiro. O arrojo custou-lhe dois anos de degredo nos Açores. A segunda, por um período mais curto, veio na sequência do funeral de Bento de Jesus Caraça. João Silva estava a filmar a manifestação de democratas que a cerimónia do funeral constituiu, quando a polícia lhe arrancou o filme da máquina e enviou o seu autor, uma vez mais, para a prisão.

No cinema, João Silva foi sucessivamente claquette-boy, assistente de operador e operador, tendo chegado a ser assistente do realizador italiano Ettore Scola, no filme Perdido em África, rodado no deserto de Moçâmedes. Entre outros, trabalhou com os seguintes realizadores: Cottinelli Telmo, Chianca de Garcia, Jorge Brum do Canto, Arthur Duarte, António Lopes Ribeiro, Francisco Ribeiro, Alexandre Onuchi, Leitão de Barros, Perdigão Queiroga e Henrique Campos. O seu nome figura na ficha técnica de filmes como Canção de Lisboa, Bocage, Aldeia da Roupa Branca, João Ratão, Pai Tirano, O Leão da Estrela, Pátio das Cantigas, Fátima–Terra de Fé, Um Homem às Direitas, Ladrão Precisa-se, A Morgadinha dos Canaviais, Camões, Fado, Vendaval Maravilhoso, Filho do Homem do Ribatejo, Kill or be killed (fita americana), Cantiga da Rua e do já referido Perdido em África, de Ettore Scola, e do filme francês Singrid.

Cineclubista activo, João Silva pertenceu ao Círculo de Cinema, que acabou por ser encerrado pela Pide, e os seus membros mais destacados mandados para Caxias.

Em Janeiro de 1950, João Silva demanda terras de Angola, onde se dedica ao documentário, designadamente ao serviço da Telecine-Angola, e garante, durante vários anos, o Jornal de Actualidades.

Depois da independência de Angola, é convidado pela Televisão da República Popular de Angola para chefiar os serviços de cinema. Aceita o convite, mas cedo abdica da função de chefia, preferindo voltar para trás das câmaras.
Regressa a Portugal em Agosto de 1979, sendo desde esse ano repórter fotográfico no departamento de informação CGTP-IN."

Posto isto que é muito meritório, falemos dos defeitos: Imaterialista incorrigível, solidário incondicional, narrador insuperável, modesto que até chateia, blogueiro invejável, não abre a boca para pedir e...porra:
Ainda diz que faço o favor de ser seu amigo!
Quem lhe desse com um valente abração em cima é que fazia bem


TRAZ OUTRO AMIGO TAMBÉM - Jose Afonso